segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014


10 de fevereiro de 2014 | N° 17700
CÍNTIA MOSCOVICH

A Estética do Calor

O Rio Grande do Sul sempre foi famoso por seu inverno severo, com minuano assobiando e geada na pitangueira. Temperaturas baixas que fizeram Vitor Ramil cunhar a expressão “estética do frio” e Luiz Antonio de Assis Brasil escrever que os gaúchos não se reconhecem sem o inverno.

O clima subtropical determina nosso modo de vida. Ao menos em tese, temos todos um jeito mais introspectivo do que, por exemplo, o extravasamento solar de cariocas ou baianos. Em vez de nos sentarmos nas mesas de calçada para chope e batatinha frita, nos enfurnamos dentro de casa, junto a lareiras e aquecedores, tomando vinho e comendo massa.

Mas aí, agora, se derrubou tanta árvore e se emporcalhou tanto o ar e a água, que a coisa complicou: o calor que viria e iria embora sem maiores danos não nos abandona mais desde o final de dezembro. Com a temperatura de torrar termômetros, tomamos providências: batizamos a capital de Forno Alegre, todos os pátios agora têm piscininha de plástico, as peças da casa têm ventilador ou ar-condicionado, há duas ou mais jarras de água na geladeira. As vendas de protetor solar dispararam, a Brigada Militar adotou bermudas para seus homens, e todos evitam caminhar ao sol entre meio-dia e três da tarde.

O grande problema, que redescobrimos ano depois de ano e que tentamos contornar meio na marra, é que não dominamos a tecnologia do verão (nem a do inverno, a bem da verdade). Não bastasse termos dado as costas para o rio, nossa pele ainda está sensível para as radiações malévolas do sol, nossas roupas têm muito tecido sintético, nossas casas não têm janelas que bastem, não corre uma mínima brisa em nossas ruas. Os que frequentam piscinas coletivas compartilham com centenas de outros banhistas uma água já ameaçadoramente morna.

Para completar o quadro da nossa dor, pelo menos até a hora em que escrevo esta, temos a infame greve dos rodoviários que faz trabalhador perder a hora, paciente perder consulta, autônomo perder dinheiro, e todo mundo perder a saúde e a paciência. Demonstração mais que perfeita de que, mais do que nossa falta de intimidade com o calor, nossos trabalhadores não têm intimidade com o direito alheio, nossos empresários não têm intimidade com greves – e nossos governantes não têm um pingo de intimidade com o bom senso.


Bagunçou geral, e não foi só o clima.

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