sábado, 15 de fevereiro de 2014


16 de fevereiro de 2014 | N° 17706
MARTHA MEDEIROS

Woody Allen vs. Mia Farrow, ainda

Nem uma, nem duas, mas oito pessoas me enviaram e-mails exigindo que eu me posicionasse sobre a acusação de que Woody Allen abusou sexualmente de uma filha adotiva quando esta tinha sete anos. Isso mesmo, eu, que não sou irmã, prima, esposa, advogada, terapeuta, amante ou vizinha do Woody Allen, senti como se me jogassem tomates em plena rua. E agora, o que você nos diz sobre seu ídolo, hein, hein?. Me chamaram para a briga.

Não deixo de admirar os filmes do Polanski mesmo ele tendo sido acusado de abuso sexual, nem deixo de me emocionar com a obra de Picasso mesmo sabendo que ele tinha um caráter peçonhento, e não vou deixar de reverenciar a filmografia do Woody Allen mesmo que um dia se comprove sua depravação – da qual sigo duvidando. Mia Farrow, sim, é que não me parece de confiança.

Estou sendo tendenciosa? Ora, estou sendo hiper, super, megatendenciosa, pois é incômodo acreditar que um sujeito com capacidade de transformar neuroses em tiradas geniais, um homem que extrai o melhor de seu elenco, que é fiel à sua equipe técnica, que ama o jazz, que não se deixa bajular por tapetes vermelhos, que deu ao mundo filmes como Manhattan, Hannah e Suas Irmãs, Crimes e Pecados, Match Point e tantas outras obras-primas, vá ferrar com a vida de uma garotinha. É a palavra de um contra o outro, então me dou o direito de escolher de que lado ficar.

A questão é pessoal, familiar e intricada. Allen leva sobre os ombros as acusações de ter seduzido a jovem Soon-Yi, adotada por Mia Farrow e o ex-marido dela, André Previn. Segundo Allen, ele e Soon-Yi nunca tiveram relação de pai e filha nem mesmo moravam sob o mesmo teto (ele e Mia moravam em casas separadas e a moça morava com a mãe). O romance vingou e estão casados até hoje, e lá se vão uns 20 anos – não era um capricho, como se vê. Mas foi suficiente para deixar a ex-esposa ferida em seu orgulho e a opinião pública disposta a julgar o diretor sem atenuar nada.

Será Woody Allen um tarado, um pedófilo, um cara que deveria estar atrás das grades? Não acredito, mas tudo pode nesse mundo maluco. Ainda assim, devemos deixar de admirar o trabalho daqueles que não vivem com retidão? Se um presidiário escrever uma emocionante peça de teatro ou esculpir magistralmente, não merecerá reconhecimento pelo que faz pela arte, a despeito do que fez contra a sociedade? Deixo aqui essas perguntas porque não tenho resposta conclusiva para a questão. Mas vale lembrar aquela máxima de Nelson Rodrigues: se soubéssemos o que cada um faz na intimidade, ninguém cumprimentaria ninguém.

Tomara que nenhuma agressão tenha acontecido de fato, mas se aconteceu, sinto muito, não conseguirei gostar menos dos filmes de Woody Allen. Apenas deixarei de cogitar ter um filho com ele – vá saber.


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