sábado, 8 de fevereiro de 2014


08 de fevereiro de 2014 | N° 17698
CELSO GUTFREIND (Interino)

Pornografia

A indecência pode ser normal, saudável; na verdade, um pouco de indecência é necessário em toda vida para a manter normal, saudável.” D.H. Lawrence/tradução de José Paulo Paes

A pornografia pode não ser a glória nem tudo o que anuncia. Ela, afinal, é sexo. Sexo como desempenho, contabilidade, gritaria. No escuro, mesmo às claras. O escuro tem encantos – para o sonho, é emblemático – mas necessita de contraste. A luz legitima a sombra e faz brilhar o que não era bem ela. Daí a lua, as estrelas. Como o dia depende da noite. E a vida, da morte.

A pornografia é o escuro sem contraste nem profundidade suficiente para olhar por dentro. A pornografia está fora. Não é imoral; longe disso, basta não ir à cabeça como iluminou D.H. Lawrence. Do pescoço para baixo, chega a ser imaculada como a profana encontra a puritana, e a luta alcança a dança de gestos expressivos. Só não basta: é padrão. Ao dispensar a originalidade e o cheiro próprio do outro, ela perde a força original.

A pornografia não é feia nem hedionda, mas, sim, repetitiva e monótona como uma reta condenada a ser eterna. Não tem a surpresa da curva. Ela é o escuro, não a sombra. A sombra supõe o sol; a pornografia, não. Ela encosta, mas não toca. Comparece, mas não apoia. Não tem gordura na magreza, continuidade, revelação. Tampouco a beleza do fim da melodia (não termina, não começa), a beleza da origem ou do encerramento. Ela não marca a página do calendário.

A pornografia termina em quase nada. Sobra a queixa, a queixa da falta. Pior, sobra o vazio. Que clama por outro lado com um mínimo de bem e mal à espera de uma história. De afeto, sobretudo. Mas a pornografia pode tornar-se esplendorosa como a menina se torna princesa e a princesa, rainha. Ou alguém volta mudado de um veraneio. Basta o abstrato, o tempero. Basta a imagem. Basta o encontro. E, já na primeira aparição em março, acolhe os olhares e faz a única e verdadeira conquista de todos os meses: a da glória – não o sucesso efêmero – de ser verdadeiramente com o outro.

A glória de ver de novo. De ouvir de novo com o outro.

A glória de viver outra vez com o gosto da primeira vez.

É quando o amor se empresta à pornografia. Ela continua a mesma: tediosa, repetitiva. Carne na carne entre líquidos e barulhos. Mas uma história (o afeto sólido) começa a penetrá-la, não com ânsia de repetição ou desempenho. Com sentido; o sentido da eternidade do que é ainda, mesmo se depois para sempre, fora da memória, não será jamais.


Então, já não é escura a pornografia. A poesia a acendeu.

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