25 de fevereiro de 2014
| N° 17715
DAVID COIMBRA
A fúria do céu
Océu não se enfurece como o amor
tornado em ódio.
Li essa frase algum dia, em algum
livro. É de um poeta americano. Ou inglês. Gostei da frase, cito-a de vez em
quando para causar impressão na mesa do bar. Meus amigos vasculharam os
intestinos do Google e não acharam o autor. Dizem que a frase é minha, que
estou mentindo com essa história de poeta inglês. Por que mentiria? Gostaria
que fosse minha, me exibiria com ela por aí, dedo em riste, sobrancelha
esquerda levantada. Mas não é. Pena.
O céu não se enfurece como o amor
tornado em ódio.
Bonito. E verdadeiro.
Nunca odiei um ex-amor, não sou
homem de ódios. De suaves desprezos, talvez. De indiferenças cansadas,
certamente. Mas já cheguei ao estágio da raiva, tendo antes passado pela
tristeza profunda, pela humilhação abjeta, pela tristeza de novo e pela raiva
outra vez.
A fase do ódio mais poderoso do
que o céu negro da tempestade não me alcança porque, de repente, passo uma
noite inteira cevando a desilusão dentro de uma garrafa de cerveja, chego em
casa de manhã, ouvindo o canto dos pássaros e vendo as pessoas praticando
jogging em cima de tênis com dez amortecedores, adormeço concluindo que estou
em plena decadência, só que sem elegância, e, no dia seguinte, surpresa... não
penso mais nela. E se passa outro dia e ela não dói mais em parte alguma e então
vou olhar para dentro do meu peito e lá não encontro nada. Não existe mais
amor, nem dor. Só o vazio. O que aconteceu com aquele amor forte como a morte,
como entoavam os cantares de Salomão? É que até o amor maior do mundo apodrece
de rejeição.
Um alívio. Mas também uma
tristeza. Porque aquele amor, mesmo que doesse, tornava a vida grande.
Já não há mais dor, já não há
mais sofrimento, mas agora a vida é menor. Porque a função do amor romântico é
essa: é tornar grande a vida. Tudo na sua vida é pequeno, tudo é comezinho,
depois que você morrer a lembrança do seu nome se dissipará na poeira dos anos
como se você não tivesse respirado debaixo do sol, mas, se você viveu um amor
poderoso, se você foi capaz de entregar a alma para outro ser humano, ah, então
houve algo de grande na sua existência. Então valeu a pena. O amor existe para
nos fazer imortais.
Mas se nem o amor lhe sobrar, se
você, como eu depois de uma madrugada de fogo e desafogo, sentir o peito vazio,
sempre há o auxílio luxuoso das crenças mundanas ou sacras do ser humano. A
religião. A política. Ou a paixão do futebol. Porque é essa também a função do
futebol: engrandecer a vida. Aquele jogo que reúne em hora e meia tanto drama,
tragédia, comédia, fracasso, glória e decepção, como um romance, aquele jogo
lhe dá a ilusão da grandeza. É por isso que o futebol é caro ao povo
brasileiro, que quase sempre vive uma vida tão sem sentido, tão rés do chão. É
por isso que a Copa do Mundo deste ano será um sucesso.
É por isso que quem protestar
contra a Copa será escorraçado pelo povo como se fosse um corrupto que leva
dinheiro na cueca. Porque, pelo menos por um momento, o povo brasileiro vai se
sentir grande. Como se vivesse um amor mais forte do que a morte, mais furioso
do que o céu que se enfurece.
Sintonia
espiritual
Havia uma sintonia quase
espiritual entre Luan, Dudu, Ruiz e Barcos, sábado, contra o Novo Hamburgo.
Eles não corriam, eles levitavam. Eles bailavam em meio ao desespero dos
marcadores. E a torcida gania de prazer.
Quem os viu no sábado decerto
quererá que Enderson os escale todos juntos, sempre e sempre.
Mas era contra o Novo Hamburgo,
que não está nem na Série B. Era Gauchão. Era começo de ano.
A vida não é tão fácil, ah, não é
mesmo.
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