09 de fevereiro de 2014
| N° 17699
MARTHA MEDEIROS
Conversa por dedução
Sabe a.... a... aquela, você sabe....a loirinha....
prima da.... como é mesmo o nome... aquela que morava na rua atrás do clube...
aquele clube que teu irmão jogava futebol com o... tsk, que futebol, o quê.
Tênis, jogava tênis! Sabe?
Antes era só com minha mãe que eu
conversava desse modo, tentando preencher os pontinhos deixados em branco. Mas
hoje em dia tem sido com as amigas também. Entramos na fase da conversa por
dedução. E dessa fase não sairemos mais. Não vivas.
Vocês já foram nesse restaurante
novo que abriu? Esse que foi matéria ontem no... Vocês sabem, me ajudem, esse
que foi superbem comentado pela... Ah, não importa, andam dizendo que é onde se
come o melhor linguado ao molho de maracujá. Não: de manga. Linguado nada, eu
quis dizer salmão. Salmão ao molho de manga. Isso. Já foram lá?
Completar uma frase tem sido
tarefa de adivinhação. Não sei com você, mas eu não consigo mais lembrar o nome
de artistas, de filmes, de lugares. Mal consigo dizer corretamente o nome das
filhas, e são apena duas. Quem tem três – e acerta – vira meu herói.
É sabido que nosso cérebro está
com lotação esgotada. É informação demais para processar, não há como manter o
estoque, é preciso jogar no lixo o que não serve mais. Aquela atriz... aquela
bonitona... me escapa o nome agora. Pois bem, em sua biografia, ela comenta
que, quando esquecemos um nome, o melhor é deixar pra lá e seguir em frente,
mais adiante a lembrança retorna espontaneamente. Muito bem. Assim tenho levado
a vida, aguardando a volta de palavras que debandaram.
Sim, quero o CPF na nota. É
439136... não, 37... esquece, esse é meu RG. O CPF é 30055082... Calma, acabei
de te dar o telefone do meu escritório.
Aguardo a volta dos números
também.
Caduquice de velha? Olha: não é.
Tenho visto muita criança de 30 anos que também está custando para levar uma
frase até o final sem se perder nos “como é mesmo?”. A questão é que estamos
sobrecarregados de tal forma que esquecer passou a ser mais comum do que
lembrar. E os bate-papos agora são assim, um tentando adivinhar o que o outro
está querendo dizer.
Estou indo para Ibiraquera,
aluguei uma casa. Falei Ibiraquera? Perequê, Perequê! Fica ali pertinho de...
de... Porto Belo, obrigada. Só voltaremos depois do Natal. Depois do Carnaval,
isso. Muito tempo, né? Estou levando quatro livros... Esse novo da Fernanda
Montenegro... Hein? Torres. Fernanda Torres. Um de um australiano, canadense,
uma coisa assim. Um sobre a vida da Jane Fonda. E outro daquele cara que tu
gosta, o Stephen... Philip Roth, esse aí. E um monte de palavras cruzadas,
prescrição médica.
Jane Fonda, claro. Como é que
pude esquecer?
Nenhum comentário:
Postar um comentário