domingo, 23 de fevereiro de 2014

SAMUEL PESSÔA

E os juros?

As políticas de acumular reservas e turbinar o BNDES têm custos e ajudam o país a gastar muito com juros

A forte elevação do gasto da União como proporção do PIB de 1999 até 2013 é consequência das regras de elegibilidade a diversos programas sociais e ao benefício previdenciário, além da política de valorização do salário mínimo.

Esse foi o tema da minha coluna anterior, em que analisei a despesa do governo federal, excluindo transferências para Estados e municípios e pagamento de juros.

Não tratei dos gastos com pagamento de juros. Tratar desse tema é relativamente difícil em razão da pesada carga ideológica em torno dele. Por isso, são comuns erros primários na contabilização desses gastos, como apontei na coluna de 21 de julho do ano passado.

Naquela oportunidade, mostrei que os gastos com pagamento de juros nominais têm nos últimos anos se mantido na casa de 5% do PIB anuais e que os gastos com juros reais têm rodado a 3% do PIB. Valores bem menores do que os mencionados pelas pessoas que acham que reduzir a conta de juros será a grande panaceia dos nossos problemas fiscais.

Para termos uma noção dos gastos da União com juros, é útil computar a taxa média de juros pagos no serviço da dívida pública. Dado que o gasto tem rodado a 5% do PIB por ano e que a dívida líquida é da ordem de 35% do PIB, a taxa média de juros que incide sobre a dívida é da ordem de 14% ao ano! Para obter esse resultado, basta dividir 5 por 35 e multiplicar por 100.

Na verdade, nos últimos meses essa taxa implícita de serviço da dívida pública aumentou para 16%. Se a taxa Selic encontra-se em 10,50% ao ano, por que motivo o governo paga 14% ou 16%?

Dois são os motivos que explicam os pontos percentuais adicionais no juro médio pago pelo governo, quando comparado com a taxa básica de juros.

Primeiro, há títulos da dívida pública de longo prazo, que têm juros mais altos do que os dos papéis curtos. Isso ocorre porque os títulos longos pagam prêmios maiores de duração e de risco.

O segundo motivo para a taxa paga pelo Tesouro Nacional no serviço de sua dívida ser substancialmente maior do que os juros básicos é que a dívida bruta é muito maior do que a dívida líquida. Isso ocorre por duas razões.

Primeiro, dado que o setor público não tem poupança, para acumular reservas sem aumentar a quantidade de dinheiro em circulação, o que pressionaria a inflação, o Banco Central é obrigado a emitir dívida interna para "enxugar" o aumento de dinheiro que ocorre quando ele compra as reservas cambiais. Ou seja, o BC compra divisas pagando com dinheiro e, em seguida, recompra o dinheiro pagando com dívida pública.

O segundo motivo para a dívida bruta ser maior do que a líquida é que o Tesouro emprestou dinheiro aos bancos públicos, especialmente para o BNDES.

A principal razão dessa política é fazer com que o BNDES empreste mais para as empresas. Dado que o setor público não tem poupança para financiar os bancos públicos, precisa emitir dívida para captar esses recursos no setor privado.

O problema é que a taxa de juros que o BNDES paga ao Tesouro por esses empréstimos é muito mais baixa do que a taxa que o Tesouro paga ao setor privado. Analogamente, a taxa de juros pela qual o Tesouro brasileiro é remunerado pelo Tesouro americano pelo carregamento das reservas internacionais (a maior parte das quais está em títulos públicos dos EUA) é muito mais baixa do que os juros que nosso Tesouro paga ao setor privado nacional.

Para termos uma ideia dos volumes, os créditos do Tesouro contra os bancos públicos estão na casa de 10% do PIB, e as reservas internacionais, na casa de 20% do PIB. Para uma dívida líquida de 35% do PIB, segue dívida bruta de 65%.

A remuneração que o Tesouro recebe pelas reservas e crédito aos bancos públicos é aproximadamente cinco pontos percentuais abaixo da remuneração que ele paga nos seus passivos. Logo, o custo de carregamento dessas duas políticas é de 1,5% do PIB. Ele compõe o gasto de 5% do PIB em juros.

Em outras palavras, as políticas de acumular reservas e turbinar a atuação do BNDES têm custos, que não são provocados simplesmente porque o juro no Brasil é alto, mas sim porque o governo paga mais para captar recursos do que para aplicá-los naquelas funções.


SAMUEL PESSÔA é doutor em economia e pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da FGV. Escreve aos domingos nesta coluna.

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