11 de fevereiro de 2014
| N° 17701
FABRÍCIO CARPINEJAR
O Imponderável
Nunca sei o que pode ocorrer, por
mais que tenha antecipado situações.
Já me acostumei com a visita do
Imponderável em minha vida.
Ele entra sem permissão, sem
licença e muda a ordem dos acontecimentos.
Tenho certeza que você também
conhece. Ele não deixa nenhum lar desassistido. Não compra ingressos, não paga
estacionamento. Para qualquer evento, usa carteiraço. Entra em casamento, em
velório, em aniversário com a maior cara de pau.
Quando treinamos a realidade, não
programamos a sua presença indiscutível.
É ele que manda e decide. Somos
coadjuvantes de seus repentes. Você teve que lidar com sua invasão
fantasmagórica no vestibular quando se sentia afiado e surgiu o branco, no
momento de atravessar uma festa para chamar uma colega para dançar e alguém se
antecipa.
O Imponderável tem preferência
por quem se prepara antes para algum teste emocional. Sua diversão é destruir
nossos roteiros e planejamentos, mostrar que não somos onipotentes, que não tem
como cantar vitória no primeiro tempo.
É uma criança grande e
desengonçada, com humor sarcástico de um velho ranzinza.
Ele não tem amigos. Não tem
família. É solitário e ajuda para o bem ou para o mal.
É como uma versão ateísta do
Espírito Santo.
Vou me separar, peço a bênção aos
meus amigos, memorizo o que direi, o tom, o encadeamento das explicações, me
sinto pronto e indestrutível, mas quando me encontro com a esposa, vem também o
Imponderável. Ela está cheirosa, linda, suave, nada raivosa como nos últimos
dias, e cedo aos encantos de sua doçura, fico subitamente excitado e acabo me
reconciliando de novo.
Vou pedir uma mulher em namoro,
depois de dois meses de saídas e flertes. Compro um par de brincos, ensaio o
discurso, escolho o restaurante, encaminho champanhe ao gelo, tudo perfeito,
até que o Imponderável aparece e ela esbarra em seu ex antes de sentar e eles
se abraçam de um jeito sensual e duvidoso que amarga os meus planos. Não digo
nada do que sinto e nunca mais nos revemos.
Vou participar de uma entrevista
de emprego, é meu grande momento profissional, nasci para fazer aquilo, fui
aprovado com alta nota no teste de conhecimentos gerais, agora é questão de um
detalhe, só não responder nenhuma doideira e se revelar minimamente
equilibrado. Mas, ao entrar na sala do RH, o Imponderável caminha ao meu lado.
O entrevistador é um colega da infância, o Bola, meu alvo predileto de
bullying.
O Imponderável nos devolve à
humildade.
Um amigo morre precocemente. Um
divórcio é deflagrado na mais alta alegria. Uma reconciliação entre inimigos
mortais é sacramentada do acaso. Tudo tem o dedo do Imponderável. O impossível
se transforma em possível, e o possível se torna um fracasso.
O que nos resta é perceber que a
vida é muito curta para ter razão, mas vale é ter amor e perder a razão. Aquele
que ama improvisa.
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