segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014


10 de fevereiro de 2014 | N° 17700
ARTIGOS - Paulo Brossard*

Credibilidade perdida

Não são poucos os fatos que indicam, a meu juízo, a ocorrência de acontecimentos que podem adquirir feições desagradáveis. Por ora, limitar-me-ei a apontar dados de certa forma preliminares, mas incontroversos quanto à sua ocorrência e notórios no que pertine à autenticidade, uma vez que têm a chancela insuspeita do ministro da Fazenda. O douto sucessor de Murtinho, a partir da metade do ano passado, falou na crise da credibilidade e proclamou a necessidade da campanha pela restauração de credibilidade. Não externou esse juízo de evidente gravidade na concha do ouvido de alguém de sua estrita confiança, mas o fez de maneira pública, divulgada pelos meios de publicidade.

Se o eminente ministro falou em “restaurar a credibilidade”, ele parte do fato de que a credibilidade do governo foi perdida, pois não se restaura senão o perdido; o conservado se guarda e bem guardado. Ora, o ministro não é um boquirroto, pode alguém entender que ele não seja um talento fulgurante, mas ninguém dirá que seja um retardado. Aos demais, nenhum de seus 38 colegas, salvo engano, tornou públicas eventuais divergências a respeito com o gestor das finanças e mais, a senhora presidente não disse uma palavra que importasse em reserva à ideia ministerial no sentido de “restaurar a credibilidade”, e da pasta remover seu imediato colaborador. Isto posto, sou obrigado a apontar uma ou duas decorrências que podem ser ilustrativas.

Os 15 países que concertaram operações financeiras com o Brasil mediante o BNDES, tiveram a divulgação sem reserva dos seus termos, inclusive quanto aos seus preliminares; no entanto, a dois contratos, e seus papéis preparatórios, foi imposto o segredo; Cuba e Angola tiveram esse tratamento diferenciado. Só em 2027, dizem as notícias a respeito, cessará a secrecidade envolvendo Cuba e Angola, e o Brasil, obviamente. Curiosamente, essa decisão discrepante foi imposta um mês depois da entrada em vigor da Lei de Acesso à Informação. Este o fato, nu e cru.

Treze das 15 nações celebraram com o Brasil contratos de financiamento acessíveis a qualquer um, pois “é assegurado a todos o acesso à informação”, reza o art. 5º, XIV, da Constituição, cujo inciso LXXIII, do mesmo artigo, estipula, “qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular o ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural...”, complementados pela Lei de Acesso à Informação e, no entanto, até 2027, o segredo acompanhará como a pele ao corpo as avenças com Cuba e Angola. 

Ora, diante dessa situação, qualquer pessoa pode intuir ou deduzir o que sugira a imaginação, a criação ou a comparação, com razão ou sem ela, e desse modo poluir ainda mais a credibilidade da nação e de sua política, no tocante às duas nações discriminadas das demais 13, Cuba e Angola. A simples denominação de ambas basta para irmaná-las à ideologia estampada na “cortina de ferro”, uma das mais visíveis e tangíveis faces do totalitarismo no século 20.

Por este ou aquele motivo, a senhora presidente vem de visitar uma das nações, e nada discreta foi nas referências ao que o Brasil fizera e estava por fazer, inclusive quanto a doação a Cuba lá anunciada, também serão segredos ou não. Mas o assunto está a merecer exame em espaço especial, o que agora me falta.

*Jurista, ministro aposentado do STF Essa decisão discrepante foi imposta um mês depois da Lei de Acesso à Informação


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