RUTH DE AQUINO
07/02/2014 21h03
A cubana roda a baiana
Nenhum brasileiro assinaria um
contrato como o imposto à médica cubana pelos irmãos Castro
"Rodar a baiana” é uma gíria
brasileira. A médica Ramona Matos Rodríguez, que estava em Pacajá, no Pará, não
deve conhecer essa expressão. Significa tirar a limpo uma situação, armar um
barraco e tomar satisfação com alguém. A gíria nada tem a ver com os baianos,
que costumam ser mais de ginga que de briga. A origem é o Carnaval carioca do
passado, quando capoeiristas se fantasiavam de baianas, para reagir aos rapazes
que beliscavam as moças nos blocos de rua.
Ramona era um dos mais de 7 mil
médicos cubanos contratados pelo Brasil para uma missão louvável: atender as
populações brasileiras totalmente desassistidas em municípios do interior. Ela
desgarrou do bloco e rodou a baiana. Foi parar no barracão de Ronaldo Caiado,
deputado federal do DEM. Péssima escolha de Ramona, já que Caiado é um dos
símbolos da direita ruralista. Poderia ter-se abrigado no gabinete de Eduardo
Suplicy. Ele perceberia como são violados os direitos humanos e trabalhistas de
Ramona. Caiado a adotou como trunfo político. Ela pediu asilo porque se sente
explorada – e também porque divergir do Estado cubano é crime passível de
prisão.
A deserção de Ramona expõe
fraturas inadmissíveis do Mais Médicos. Uma coisa é alguém ir como voluntário
para um país em guerra, calamidade ou emergência. Você vai sem ganhar nada,
movido pela solidariedade. Outra coisa é o profissional se mudar para o
exterior num período sabático, com uma bolsa, para uma especialização. Sabe que
ganhará menos. O caso do Mais Médicos é diferente. Em contrato de trabalho, o
Brasil paga R$ 10 mil mensais a cada médico estrangeiro.
Mas os cubanos só embolsam R$
1.000. Do “resto”, cerca de R$ 1.500 são dados às famílias dos médicos em Cuba.
E o “excedente”, R$ 7.500, vai para os donos dos passes: os irmãos Castro,
eternizados no poder pela repressão e pela ausência de eleições.
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Ruth
Não dá para acreditar que Ramona
ignorasse as restrições antes de vir para cá. Ela diz que não tinha internet e
não sabia que ganharia menos que os outros médicos estrangeiros. Conta outra,
Ramona. Mas, ao rodar a baiana, ela teve um mérito: exibiu o contrato entre
Brasil e Cuba. Tornou públicas as irregularidades. Você engole? Estamos
mal-acostumados com nossa liberdade, após a ditadura militar que produziu
crimes horrendos como a morte do deputado Rubens Paiva? Queria ver um
brasileiro, de qualquer ideologia, assinar um contrato com as cláusulas
impostas pelo Estado cubano aos médicos.
Vamos só imaginar. O Brasil
cederá médicos a um país africano que contrata estrangeiros. E aí, meu
camarada, o negócio é o seguinte. Você só poderá tirar férias no Brasil, nada
de viajar pela África, Europa, Ásia, esquece. Você será obrigado a relatar às
autoridades brasileiras se receber visita de amigos ou parentes. Também não
poderá se casar com estrangeiros, mesmo que eventualmente se apaixone.
O Estado brasileiro ficará com
75% do salário que o país contratante pagar, tudo bem, companheiro? E você
ganhará só 25%. Tem de se virar, afinal você é um profissional da Saúde e, por
isso, um missionário. Ainda há um detalhe: mulher, marido, filhos não são
autorizados a acompanhar você. Ficarão no Brasil. E não reclama lá fora não,
porque estamos com sua família aqui, e você sabe que quem diverge do Estado
brasileiro é de direita, contrarrevolucionário, reacionário e, por isso, um
elemento antissocial, contra os pobres e carentes. Deve ser recolhido aos
presídios. Imaginou?
Não faço ideia se Ramona
conseguirá asilo no Brasil. Ou se continuará a trabalhar como médica.
Conhecemos todos o destino dos boxeadores cubanos que buscaram asilo nos Jogos
Pan-Americanos e foram mandados de volta para Havana por Lula, num avião da
Venezuela de Chávez. Não sei se Ramona conseguirá asilo em Miami. Se eu
precisasse me exilar em Miami, seria infeliz... Asilo, exílio, refúgio e
deserção são gestos de desespero de cidadãos de uma ditadura, tolhidos nos
direitos mais básicos, como a liberdade de expressão.
O episódio protagonizado por
Ramona abriu fissuras num programa útil no sertão e nos confins do Brasil. O
Mais Médicos não resolve as deficiências da Saúde, mas ajuda milhões de
brasileiros a ter uma primeira avaliação ou diagnóstico. Se o pedido de refúgio
de Ramona for imitado por seus colegas, aí Dilma, Lula e os irmãos Castro
deverão se reunir, em torno de uma cachaça ou um rum envelhecidos, para
reformular o Mais Médicos. E torná-lo justo e profissional.
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