18 de fevereiro de 2014
| N° 17708
DAVID COIMBRA
Chuvas de verão
Quando os trovões rolavam detrás
do Morro do Alim Pedro, ribombando por toda a Zona Norte como se fossem os
tambores da banda do Colégio São João, quando as nuvens cinza-chumbo começavam
a avançar da lomba da Plínio em direção à Assis Brasil como um esquadrão de
bruxas voadoras, quando o ar denso de fevereiro se tornava fino e agitado, e a
gente sabia que, em minutos, desabaria uma redentora chuva de verão, quando
isso acontecia, todos nós gritávamos:
– Vamos pro campo! Vamos pro
campinho!
Porque um dos prazeres do verão é
jogar bola na chuva. E então tínhamos surpreendente facilidade de encontrar
bola, porque bola era coisa cara na época. Mas, para jogar na chuva, qualquer
bola servia, e nós íamos para o campo carregando uma já bem gasta, bem
velhinha, pendurada por um gomo solto, feito um lóbulo de orelha.
O jogo na chuva era jogo
diferente. Não era jogo para ganhar, nem para jogar o jogo jogado, era jogo de
dividida, de bola no meio da poça, de vinte guris num único lance.
Naquele tempo eu amava a Alice.
Ah, eu a amava profundamente e sabia que seria para sempre e que nos casaríamos
e teríamos filhos. Nosso amor não ter durado para sempre e não nos casarmos nem
termos filhos é uma das derrotas da minha vida. Por que, Alice? Por quê?
Alice. Fazia tudo por ela, Mas,
se Alice me chamasse num dia de chuva de verão, se ela me chamasse naquele
momento em que estávamos marchando para o campinho, eu balançava a cabeça:
– Não vai dar, Alice.
Ela que se contentasse com amor
eterno, mas quem diz que mulheres se contentam com amor eterno?
Há certos prazeres nossos que
elas jamais entenderão. O prazer de rir com os amigos, de contar histórias, de
sacanear o outro e rir e rir e chutar uma bola que tranca na lama e correr para
dividir a bola com seu amigo que vem bufando do lado de lá, feroz como um
zagueiro do Guarany de Bagé, e fazer a água subir como um chafariz de barro e
respingar e tudo ficar enegrecido e só a bola continuar no mesmo lugar e rir e
rir e, depois que o tempo amainar, voltar para casa preto e sorridente da
cabeça aos pés, feliz, feliz, feliz. Como elas vão saber disso? Como elas vão
compreender o deleite que é jogar bola em meio a chuvas de verão?
Culpa da Fifa
Existe nos intestinos das redes
sociais uma campanha de brasileiros bobinhos para eleger a Fifa “a pior empresa
do mundo”. Coitada da Fifa. Ela estava quieta lá no canto dela, contando seus
euros, quando os brasileiros vieram pedir para fazer a Copa do Mundo de 2014. A
princípio, a Fifa ficou em dúvida, havia outros candidatos, fortes e bons, mas
era tal o entusiasmo dos brasileiros que eles venceram. Pelé e Lula comemoram a
Copa do Mundo no Brasil pulando abraçados, como se um deles tivesse marcado um
gol. Lindo.
Depois disso, os problemas
começaram. Era para ser oito sedes, o Brasil quis 12. Nada fica pronto, alguns
dizem que vão quebrar tudo quando os jogos começarem, aquele lá não quer pagar
a conta, o outro só faz se o Estado ajudar, prefeitos cancelaram a Fanfest
porque é muito cara, cidades estão atafulhadas de obras inacabadas, como se
tivessem sido bombardeadas pela RAF. E a culpa disso tudo, de quem é? Da Fifa.
Pobre Fifa, que só queria fazer seu campeonatinho, ganhar seu dinheirinho.
Nunca pensei que diria isso. Pobre Fifa.
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