25 de fevereiro de 2014
| N° 17715
FABRÍCIO CARPINEJAR
Perda da virgindade
Eles se encontravam sozinhos pela
primeira vez: adolescentes namorando na sala.
Gisele perderia sua virgindade
naquela noite. Escolheu muito a quem se entregar. Foi como definir um espelho
de corpo inteiro.
Passaria a madrugada no
apartamento de Fabiano. Os pais longe. Os pais dele tinham ido passar o final
de semana em Gramado.
Havia suavidade. Havia firmeza.
Havia carinho. Havia paciência. Havia tempo para se conhecer, desistir, voltar.
Havia espaço para querer e não querer. Para não fazer nada se faltasse vontade.
Optou por um homem compreensivo acima de tudo, e com ombros largos para desabar
quando chegasse o prazer derradeiro.
Decisão difícil depende da
liberdade dos adiamentos. Ela não queria forçar, esperava a inspiração da pele.
A pele diria quando seria a hora.
Perder a virgindade não era para
ser de qualquer jeito. Era para ser de seu jeito. Como se contasse seu sonho a
alguém no exato momento em que sonhava.
Depois do sexo, depois de se doar
inteira, de descobrir como se geme junto, de ouvir seu grito e acompanhar sua
respiração falhada, Gisele tomou longo banho. Não pretendia se limpar, e sim
comemorar o ato com a água. Vinha se sentindo diferente, e buscava se entender.
A mulher toma banho para se entender – é onde o pensamento se acalma.
Na saída, feliz e amorosa, ela
pediu um favor para Fabiano.
– À vontade , disse Fabiano.
– Mesmo?, ela pretendeu
confirmar.
– Mesmo!
– Posso levar o sabonete comigo?
– O quê?
– O sabonete!, ela reiterou.
– Sim. Sim. Sim.
Ela foi até a cozinha, pegou um
guardanapo, e enrolou o sabonete redondo. Como se fosse uma maçã. Com cuidados
de uma fruta. Colocou na bolsa e partiu.
Fabiano talvez nunca tenha
compreendido esse gesto.
Mas mulher tem rituais. Rituais
são lembranças de lugares especiais.
Mulher guarda toalha bordada,
travesseiro de criança, pulseiras, canetas. ingressos. Coisas que simbolizam
etapas de seu crescimento. Assim como viajamos a um país diferente e carregamos
uma recordação de outra cultura, para fixar nossa passagem, a mulher guarda
relíquias das principais fases de sua vida: da infância, dos pais, dos namoros,
dos amigos, do casamento, dos filhos, da velhice.
Toda mulher mantém uma caixinha
de sapatos ou uma lata de panetone ou um estojo no fundo de seu armário com sua
história. É uma arqueóloga de suas descobertas. Quando bater a tristeza no
futuro, ela voltará para aquele cofre afetivo para constatar que não viveu à
toa.
E o sabonete estará lá. Seco,
perfumado, com o gosto intacto da coragem da primeira noite.
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