10 de fevereiro de 2014
| N° 17700
L. F. VERISSIMO
É o calor
Pode acontecer. A moça do tempo
na TV entra no bar com um grupo de amigos. É recebida com óbvio desconforto
pelos frequentadores do bar. Ouve-se um zum-zum-zum de desaprovação à sua
presença. O grupo da moça ocupa uma mesa. Depois de algum tempo, um homem da
mesa ao lado não se contem e pergunta:
– Você não é a moça do tempo, na
TV?
A moça diz que é, sorrindo, mas o
homem não sorri. Pergunta:
– Até quando vai esse calor?
– Pois é – diz a moça, ainda
sorrindo. – Está difícil de prever. Tem uma zona de pressão na...
– Não – interrompe o homem – não
me venha com zona de pressão. Chega de enrolação.
Uma mulher de outra mesa se
manifesta:
– Há dias que você põe a culpa
pelo calor nessa zona de pressão. E não toma providências.
– Minha senhora, eu...
Outros começam a gritar.
– Sensação térmica de 51 graus.
Onde já se viu isso?
– Não dá mais para aguentar!
– Faça alguma coisa!
A moça do tempo na TV agora está
em pânico.
– O que eu posso fazer? Eu só
descrevo o tempo. Não tenho o poder de...
– Alguém tem que assumir a culpa,
minha filha! Sensação térmica de 51 graus, alguém tem que ser responsável.
– A culpa é da Natureza!
– Rá. Natureza. Muito bonito.
Muito conveniente. É como culpar a corrupção na índole do brasileiro. Aqui
ninguém tem culpa de ser corrupto, é a índole. A índole do tempo, num país
tropical, é essa. E quem pode reclamar da índole? Ou da Natureza? De você nós
podemos reclamar, querida.
– Mas a culpa não é minha!
– Estamos cansados do seu
distanciamento enquanto mostra no mapa que o calor só vai aumentar. Seu ar
superior, como se não tivesse nada a ver com aquilo. Chega!
A mesa da moça do tempo na TV
está cercada. Caras raivosas. Ameaça de violência. A moça do tempo na TV se
ergue e grita:
– Está bem! Está bem! Amanhã eu
faço chegar uma frente fria. Eu prometo!
As pessoas se acalmam. Todos
voltam para as suas mesas. O garçom vem tirar o pedido do grupo da moça do
tempo na TV e tenta explicar:
– É o calor... O pessoal fica
meio louco.
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