quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014


27 de fevereiro de 2014 | N° 17717
ARTIGOS - Sérgio da Costa Franco*

Concursos públicos

De uns 30 anos para cá, um fato novo na vida social e cultural é o acentuado interesse pelos concursos para cargos públicos, que mobilizam milhares de concorrentes, em desproporção com as limitadas vagas oferecidas, tudo determinando avultados gastos em cursos preparatórios, viagens e taxas de inscrição, e uma imensa frustração da maioria, não classificada. A matéria tem sido objeto de projetos de lei no Congresso Nacional, que, se espera, possam eliminar aspectos sobreviventes do arbítrio e do autoritarismo.

Princípios básicos na aferição do mérito para a classificação dos candidatos nos parece que sejam a igualdade de oportunidades e a isonomia no tratamento dos concorrentes, de forma tal que não possa haver o mínimo arbítrio dos examinadores e o favorecimento pessoal a este ou àquele. Para que isso aconteça, é importante assegurar a impessoalidade na apuração do mérito. Tal preocupação já se manifesta hoje, na maior parte dos concursos de provas, pela não identificação dos concorrentes nas provas escritas. Ninguém pode assinar o termo de respostas ou o texto das exposições teóricas ou práticas. O sigilo dos dados identificadores é rigorosamente mantido até a atribuição das notas e sua publicação.

Entretanto, tais regras de sigilo são abertamente contrariadas pela manutenção das provas orais, em que candidatos e examinadores se conhecem e se relacionam. A contradição, no caso, é gritante. Quando, depois de definidos os aprovados nas provas escritas e objetivas, a ordem da classificação pode ser grosseiramente subvertida, porque os examinadores das provas orais favoreçam candidatos da sua simpatia ou criem dificuldades para os que lhes são antipáticos. As práticas do arbítrio e do abuso de poder, que herdamos dos longos períodos ditatoriais, lamentavelmente ainda perduram na gestão dos concursos públicos.

A oralidade é natural inimiga da isonomia. E se um examinador cria barreiras psicológicas em relação a um candidato, nada impede que o prejudique com perguntas especiosas, ou que lhe interrompa a exposição, ou que suste a inquirição arbitrariamente, antes que o concursando se recupere de um pequeno deslize. Ao revés, se o membro da banca examinadora alimenta simpatias pessoais por um concursando, formula perguntas fáceis, estimula-o a dissertar sobre o que revelou conhecer bem e, como remate, atribui-lhe nota alta, que há de contribuir decisivamente para a tabela final de classificação.

Quem acompanha ou observa concursos públicos em que haja provas orais está farto de conhecer esses fatos. O envolvimento pessoal de examinadores e de examinandos subverte a igualdade de oportunidades, e tanto pode promover a incompetência e obscurecer a inépcia quanto prejudicar e eliminar concursandos de mérito, este já evidenciado nas provas objetivas.

Honesta e democrática regulamentação dos concursos públicos, “de lege ferenda”, deveria banir definitivamente a oralidade, tornando as provas escritas decisivas para a classificação final dos candidatos.


*HISTORIADOR

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