02 de fevereiro de 2014
| N° 17692
MARTHA MEDEIROS
A melhor vida possível
Quanto mais converso por aí, mais percebo que é
inútil acreditar em verdades absolutas e fórmulas ideais de convivência. Cada
pessoa tem familiares que influenciaram suas escolhas, medos herdados e medos
adquiridos, sonhos altos demais ou mesmo nenhum, e um número incalculável de
perguntas sem respostas, de desejos embaraçosos, de mágoas vitalícias. Quem vai
decretar para mim o que é melhor para mim? E quem vai dizer o que é melhor para
você? Com que topete?
A melhor vida não é aquela que
atende os mandamentos universais, as ordens celestes e os clichês eternizados,
mas a que se tornou possível, a que você vem construindo a despeito de todas as
suas dúvidas.
A melhor vida seria a da Gisele
Bündchen, pensa a menina feia. A melhor vida seria a da Dilma, pensa a
vereadora de uma cidadezinha do interior. Enquanto isso, vivem a vida possível,
sem perceber o quanto deveriam ser gratas por não precisarem arcar com
consequências que desconhecem.
A melhor vida para mim é bem
diferente da melhor vida para você. Reúna o planeta inteiro e não se encontrará
duas pessoas que planejem possuir a mesma vida, porque uns não querem ter
horário para nada, outros se envaidecem de ter suas atitudes comentadas por
estranhos, há os que se paralisam à primeira frustração, os que estão sempre
inventando novos desafios, e a vida possível de cada um torna-se impossível
para os demais, o que não deixa de ser uma piada termos que conviver
intimamente uns com os outros apesar desse tabuleiro inesgotável de escolhas e
destinos.
Se eu almejar uma vida ideal,
terei que me basear na vida dos outros, pois o ideal é fruto de uma
racionalização coletiva e consagrada, enquanto que se eu me contentar com uma
vida possível, volto a assumir algum controle sobre os royalties das minhas
decisões.
O que não impede que ela seja
ótima, a mais adequada para o fôlego que tenho, a mais realizável dentro de
minhas ambições, a menos sofrida, já que regulada pelo autoconhecimento que
adquiri até aqui. Tenho como manejar uma vida possível de um jeito que jamais
teria de manejar uma vida perfeita, até porque vida perfeita não é deste mundo,
e o sobrenatural é matéria que não domino.
A melhor vida não é a focada em
suposições, fantasias, esperas, surpresas e demais previsões que raramente se
confirmam. A melhor vida não é aquela que é cumprida feito um pagamento de
dívida, como um acerto de contas com nossos antigos anseios juvenis.
A melhor vida não é a que
desenhamos quando criança na folha do caderno, a casinha de venezianas abertas,
a fumaça saindo pela chaminé e os girassóis protegidos por uma cerquinha
branca, e tudo o que isso sugere de proteção e vizinhança com os desejos comuns
a todos. A melhor vida possível é aquela que você ainda vem desenhando, mesmo
já com algumas pontas de lápis quebradas.
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