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segunda-feira, 1 de novembro de 2010
01 de novembro de 2010 | N° 16506
ARTIGOS - Paulo Brossard
Sucessão de anomalias
O debate pré-eleitoral foi substituído pela divulgação de pesquisas de opinião
O artigo desta segunda-feira foi escrito antes da eleição de 31 de outubro, mas, quando publicado, o resultado da votação já será conhecido. Ainda assim, farei algumas considerações acerca do pleito que ainda não ocorreu, mas que ao ser lido o artigo já terá ocorrido. A primeira é que o pleito se apresenta diferente dos anteriores, diferente porque não houve praticamente o debate eleitoral como se processava até agora.
O que houve foi a presença de dois candidatos, em programas de televisão, pois, em verdade, o debate pré-eleitoral foi substituído pela divulgação de pesquisas de opinião; e, na medida em que forem confirmadas nas urnas, não faltará quem diga que o ato supremo da cidadania ativa se tornou ocioso, pois o resultado era conhecido antes da eleição.
Se o resultado não for ratificado pela votação, dir-se-ia que uma grande fraude teria sido montada. Se isto vier a ocorrer, o legislador não se poderá eximir de examinar a situação inédita.
A situação imaginada não tem precedente, e a própria Justiça Eleitoral, com a sua experiência, poderá contribuir para que se não repita a esdrúxula situação. Do quadro imaginado, duas realidades surgem nítidas, a prevalência da pesquisa de opinião de um lado e a relatividade de seu mérito de outro, ambas a minar a cerimônia que envolve diretamente a nação inteira.
A participação do presidente da República como “cabo eleitoral da Dilma”, como ele próprio se expressou em suas arengas à nação é outro problema. Entre as muitas atribuições que a Constituição lhe confere, existe a de escolher um candidato à Presidência da República? Não, não confere. Mas alguém dirá que, podendo ou não podendo, o presidente assumiu essa até aqui inédita atribuição.
E, assumindo, segundo suas próprias palavras, o papel de cabo eleitoral, provocou situação até então imprevisível, segundo a qual ele desequilibrou o prélio eleitoral; entre um candidato que não tem outro título que não o de candidato e nada mais do que isto, seu concorrente mercê do patrocínio do presidente da República fez-se detentor de um sobrepoder que torna a eleição, querendo ou não querendo, inconfundível com a eleição prevista em lei e pela Constituição.
O presidente faz anos vem ocupando diariamente o sistema nacional de televisão, sem falar do imenso poder que no regime presidencial possui e exerce o chefe do governo e chefe do Estado. Desse modo, ele se sobrepôs à lei dispondo de tempo praticamente ilimitado para tratar de todos os assuntos ao seu arbítrio, inclusive os de natureza eleitoral, muito antes de ser permitido qualquer tipo de propaganda a esse respeito.
As manifestações são públicas e notórias, mas, apenas a título de exemplo, lembro que a sua eleita agora e só agora, nesta última semana, tornou pública a sua plataforma de governo; em verdade, ela é mera formalidade; divulgar a plataforma depois da eleição do primeiro turno e uma semana antes do segundo, por ser desnecessário, era dispensável;
a própria candidatura dispensava a plataforma, como a plataforma dispensava a candidatura, dado que esta não passa de um pseudônimo. O verdadeiro candidato é o cabo eleitoral, ainda que tudo isto constitua uma sucessão de anomalias legais.
*Jurista, ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal
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