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terça-feira, 16 de novembro de 2010
16 de novembro de 2010 | N° 16521
CLÁUDIO MORENO
Triste Esparta
Lacarrière nos conta que, durante a 2ª Guerra, na França ocupada, gostar de Atenas ou de Esparta definia rigorosamente a posição política de seus colegas de escola. Atenas simbolizava a liberdade, a resistência contra o obscurantismo de Hitler, do qual o mundo não conhecia a metade;
Esparta, por outro lado, atraía os que admiravam a força do poderio nazista e a resistência e bravura incontestáveis do soldado alemão. Voltavam assim a se ver, frente a frente, duas sociedades que há mais de dois mil anos fascinam o Ocidente, representando dois modelos opostos que sempre dividiram a preferência de nossos corações e mentes.
Apostando na autodeterminação democrática de seu povo, Atenas, ao assegurar a liberdade dos cidadãos e encorajar as artes e a filosofia, tinha criado uma sociedade avançada, econômica e militarmente influente.
Esparta, por sua vez, tinha chegado também a uma posição invejável, mas seguindo um caminho praticamente oposto: o Estado planejava todas as etapas da vida do indivíduo, regulava sua educação, seus hábitos e sua alimentação, e determinava, inclusive, o local e a frequência das relações conjugais. As crianças não eram educadas pelos pais, mas sim pelo Estado, que os preparava para integrar, mais tarde, a força guerreira que tornou Esparta poderosíssima.
Para acostumar o corpo às intempéries, andavam descalços o ano todo, sempre envergando o mesmo tipo de roupa sumária. Comiam apenas o famoso caldo negro espartano, que, embora nutritivo, era considerado intragável pelos poucos estrangeiros que o provaram. Os jovens que não se satisfizessem com sua ração eram incentivados a roubar, pois isso preparava os futuros soldados a lutar pela sobrevivência; se descobertos, eram severamente punidos, não pelo ato em si, mas por ter-se deixado apanhar.
Quando chegavam à adolescência, idade da revolta e das paixões, eram soterrados por uma carga espantosa de exercícios e submetidos a uma disciplina ainda mais rigorosa, deslocando-se em grupos pelas ruas, em absoluto silêncio, sem desviar os olhos do caminho, como verdadeiras estátuas sem voz. Quando chegavam à maioridade, estavam prontos para fazer parte do exército mais famoso de todos os tempos.
Não escreviam, não faziam arte nem filosofavam, e nada saberíamos sobre eles se os povos com que lutaram não tivessem escrito a sua história. Enquanto existiram, privaram-se do essencial – o amor conjugal, os laços familiares, a beleza da arte, o prazer do estudo e da reflexão – para levar uma vida de caserna, eternamente militantes de um Estado autoritário e despersonalizador.
Como lembra Lacarrière, todos esses sacrifícios não levaram a resultado algum; Atenas continua viva entre nós por seus poetas, dramaturgos, filósofos, artistas e oradores, mas de Esparta não restou absolutamente nada – nem ao menos suas ruínas.
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