terça-feira, 30 de novembro de 2010



30 de novembro de 2010 | N° 16535
CLÁUDIO MORENO


O homem é um só

E ainda tem gente que não se deu conta de que o ser humano é um só! A cena mais famosa do documentário Corações e Mentes (1974) deixou o mundo inteiro chocado: diante da câmera, o general Westmoreland, comandante geral das operações americanas na Guerra do Vietnã, afirma, impassível, que a vida não tem para os orientais a mesma importância que tem para nós – e a tela mostra, em seguida, em dramático contraponto, o desespero de uma mãe norte-vietnamita que tenta se atirar na cova em que o corpo do filho vai ser enterrado.

A intenção do general era desumanizar o oponente, tornando mais aceitável o bombardeio sistemático de aldeias indefesas, mas sua lógica perversa foi instantaneamente anulada pela imagem terrível daquela pobre mãe, que sofria como sofreria qualquer mãe, em qualquer tempo, em qualquer lugar.

Pai e filho? Pois seja do outro lado do mundo, seja no passado longínquo, pai sempre foi pai, filho sempre foi filho – como podemos ver neste quadro doméstico que nos soa tão familiar: “Onde te meteste? – Em lugar nenhum; não saí. – Não saíste? E por que ficas zanzando por aí, como um vadio?

Anda, pega tua mochila, vai para a escola e te apresenta ao professor. Faz anotações na tua tabuinha e recita tuas lições. Quando terminares, volta para casa, sem vagabundear pelas praças e pelas ruas.

Ouviste bem o que eu disse? – Sim, ouvi. Se quiseres, até repito. – Então repete, para eu ver. – Já vai; não estou com pressa. – Anda, repete! – Tu me mandaste ir à escola, recitar as lições e anotar a matéria nova; depois, voltar direto para casa. Não foi isso? – Foi. Isso é importante, meu filho.

Eu nunca te obriguei a trabalhar em nosso campo, nem a ajudar nas despesas da casa, como os teus colegas. Se seguires nosso exemplo, o meu e o de teu avô, só terás a ganhar”. E assim seguem neste diálogo atualíssimo, encontrado pelos arqueólogos em escavações na Suméria, escrito em tabuinhas de argila há mais de 3.500 anos.

Certo e errado? A linha que separa um do outro pode variar segundo a época e o local, mas a Humanidade parece compartilhar de um fundo comum de valores. Em outro texto quase tão antigo – uma prece do Livro dos Mortos do Egito, em que a alma pede a clemência de Osíris –, temos uma ideia bem clara do que não se devia fazer: “Venho diante de vós, Grande Deus, Senhor da Verdade e da Justiça. Eu sou puro! Deixai minha alma ir até vós, pois não cometi crime algum.

Não fraudei meu semelhante, não atormentei a viúva, não menti no tribunal. Não fui negligente, nem ocioso. Não impus jornada excessiva a meus trabalhadores, nem usurpei a terra dos outros. Não desviei a água do campo do vizinho, nem tirei o leite da boca da criança. Não causei fome ou qualquer sofrimento a meu próximo. Não matei”. Item por item, a lista vale até hoje.

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