quinta-feira, 25 de novembro de 2010



25 de novembro de 2010 | N° 16530
LETICIA WIERZCHOWSKI


Minha avó e eu

Vem sucedendo uma coisa curiosa comigo. Vejo minhas fotografias recentes e, no meu lugar, encontro a minha avó quando moça. De forma sutil e curiosa, percebo os contornos do meu próprio rosto irem ganhando os jeitos que tinha minha avó Maria quando regulava de idade comigo.

Sinto uma coisa estranha, é como se a avó viesse me visitar... Como se andasse comigo pelos dias afora, olhando-me, levemente espantada, presa entre dois amigos meus, ou com um dos meus meninos no colo, nas fotografias em que quem deveria estar era eu. Estranho sim, mas não desagradável...

A avó Maria foi uma pessoa peculiar. Muito discreta, simpática e doce, andava pelas ruas de Porto Alegre com seus vestidos floreados de verão e sua bolsinha forrada de lenços de cambraia.

Adorava um papo e tinha sempre uma palavra para cada um que lhe cruzasse o caminho. Como tinha muitos netos (acho que éramos bem uns vinte primos das mais variadas idades), nossa avó Maria possuía ocupação de sobra.

Minhas irmãs e eu morávamos perto dela, mas nos víamos relativamente pouco. Lembro que fazia bifes deliciosos e maravilhosas roscas de polvilho sem as quais o meu pai não vivia. Em pequena, não lhe achei muita graça.

Faltava-me espírito para compreender seus silêncios doces, sua discrição, sua distração de menina que desconhecia a própria velhice, os lencinhos que ela distribuía entre as muitas netas, num delicado aviso de que, na vida, nem tudo são risos.

Morreu por engano, essa minha avó, num hospital onde se internara para fazer um exame de rotina, e onde, também, uma enfermeira desastrada acabou por ministrar-lhe a medicação de outrém, empurrando a doce Maria para o além antes da hora.

E ela se foi, discreta como sempre, humilde de posses, mas elegante, ereta e muito magra, balançando seu lencinho branco para filhos e netos, e para essa distraída neta aqui, que ainda nem se sabia escritora. Foi uma das pouquíssimas vezes que vi meu pai chorar...

Agora, vejam só, a boa Maria vem se imiscuindo comigo. Que eu envelheça com a sua elegância e magreza, vai ser um consolo. Difícil mesmo será ela legar-me a inabalável serenidade que sempre teve para com todas as coisas da vida – eu, que faço temporais em copos de água. Vamos ver... Se tinha uma coisa que não faltava à boa Maria, era perseverança.

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