sábado, 6 de novembro de 2010



07 de novembro de 2010 | N° 16512
DAVID COIMBRA


O sol nas bancas de revista

Vez em quando vou àquela loja de revistas e gibis usados que tem na Marcílio. Deve ser bem bom trabalhar numa loja de revistas e gibis, sobretudo usados. Você em meio a todas aquelas histórias. Basta esticar o braço para se embrenhar na selva do Fantasma que Anda, dos Pigmeus Bandar, de Lothar e do lobo Capeto.

Estica o outro braço e, cáspite!, lá estão Tex Willer e seu fiel companheiro Kit Carson tirando a poeira da garganta com uísque de cevada, trinchando um bife de quatro dedos de altura ou trocando tiros de Winchester com os comanches.

Nessa loja da Marcílio encontrei a histórica Playboy da Tiazinha.

Foi a maior Playboy de todos os tempos.

Na época, 10 anos atrás, uma loirinha que eu conhecia, uma loirinha formosa e tenra, de pele dourada e olhos azuis da cor da água da Praia Brava, uma loirinha cobiçada por todos os homens que a viam, essa loirinha, tendo a revista nas mãos, ronronou:

– Ai, David, até fiquei excitadinha...

A maior Playboy de todos os tempos, sim, senhor.

Entendo o que o Caetano quis dizer quando escreveu que o sol nas bancas de revista lhe enchia de alegria e preguiça. É isso mesmo que uma banca ou uma loja de revistas faz sentir: alegria e preguiça. Porque ali você pode sorver as aventuras mais trepidantes sem maiores consequências, tudo é ameno e lento numa loja de revistas e gibis. Sobretudo numa lojas de revistas e gibis usados.

Pois dia desses eu estava lá. Só eu, que pouca gente vai à loja da Marcílio. Vagava por entre as prateleiras, manuseava gibis do Homem Aranha, discos do Bee Gees, edições da Placar dos anos 70, e aquele ambiente me fez sentir como se estivesse desencaixado dos escaninhos do tempo.

Ali os movimentos do dia haviam cessado. Rolava, incrível!, um som de The Clevers, algum hit que fora posto para rodar em primeiro lugar pelo Cascalho na velha Continental que não existe mais.

O dono da loja, um homem de cabelos brancos e gestos vagarosos, ele mantinha-se detrás do balcão e debaixo de um gorro de lã xadrez, embora o dia nem fosse assim tão frio. Fiquei pensando que estava em frente a um homem tranquilo, um homem em paz com a existência, que sabia levar a vida sem cobranças, que sorvia cada minuto do dia como quem prova um gole de vinho do Porto.

Ali se encontrava um homem que pouco ligava para o frenesi do dia a dia. Ali havia alguém que não se deixava seduzir pelo vil metal, que não era regido pelo mercado, pelo sucesso, pela ânsia de ver e ser visto.

Deve ser bem bom ser dono de uma loja de revistas e gibis usados!

Foi o que disse para ele, quando começamos a conversar. Mas ele balançou a cabeça com desdém, suspirou e disse-me que estava pensando em vender a loja.

– Mas por quê??? – espantei-me.

– Muita agitação – respondeu. – Estou pensando em diminuir um pouco o ritmo, sabe? Aproveitar mais a vida...

Como é difícil, na vida, saber a vida que se tem. Como é importante a perspectiva histórica.

Quando você se põe à distância segura, você olha para sua antiga vida e suspira:

– Como pude ficar tanto tempo com aquela mulher?

– Como pude ficar tanto tempo naquele emprego?

– Como fiquei tanto tempo sem experimentar profiterólis?

E: – Como aquele time era bom...

Ou: – Como aquele time era ruim...

As coisas estão no mundo, como diria o Paulinho da Viola, mas como é difícil saber como elas são.

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