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terça-feira, 16 de novembro de 2010
16 de novembro de 2010 | N° 16521
PAULO SANT’ANA
Quando eu morrer...
Agora que vocês estão me lendo, já estou em Santana do Livramento e, daqui a pouco, 13h em ponto, participo do Sala de Redação. Todos já sabem que só faço o Sala de Redação às segundas-feiras e às quintas. Mas como deixar de vir, num dia em que não tinha a obrigação de vir, a Santana do Livramento?
Esta fronteira aqui é mágica, tem essa gente fidalga, tem a carne uruguaia deliciosa, tem o free shop atraente, tem o cassino de Rivera, acima de tudo tem os santanenses e os riverenses que adoram a Rádio Gaúcha e o Sala de Redação.
Então, aqui estou eu em Santana. E deixem que eu aproveite esta estada. Não por acaso, talvez, botaram o nome desta cidade no meu sobrenome. E Santa Ana foi a mãe da Virgem Santíssima e avó de Jesus Cristo.
No domingo, ouvimos por rádio que o companheiro Antônio Augusto Fagundes estava em coma induzido num hospital da Capital, trazido às pressas que foi de Santa Maria. Fiquei rezando silenciosamente para que Nico Fagundes saísse de mais essa armadilha do seu destino. Este cara foi sempre em sua vida um extraordinário folclorista e compôs a música célebre Canto Alegretense, em parceria com seu irmão, Bagre Fagundes. Fiquei atendendo ao apelo de sua mulher para que todos nós orássemos por ele.
Eu sempre vi com bons olhos o fato de a RBS TV ter licenciado o Nico a continuar apresentando, o que faz há 28 anos, o programa Galpão Crioulo, mesmo que ele tivesse sofrido um acidente vascular cerebral no ano de 2000. Que jeito matreiro aquele que o Nico tinha e tem de nos encantar. Que gauchaço!
Quando pararem todos os relógios da minha vida e a voz dos necrológios gritar nos noticiários que morri, aprestem-se os sambistas e os seresteiros para levar, até o cemitério ou ao crematório onde vou jazer, as flautas, os cavaquinhos, os banjos, os violões e as vozes humanas a que terei direito em minhas exéquias.
Quero que sejam simples as minhas pompas funerárias, mas que haja acordes dos instrumentos, agudos e graves nas vozes dos cantores e que meu caixão desça ao som das músicas entoadas.
E, como disse Noel Rosa, quereria “que as mulatas sapateassem no meu caixão”.
Ah, quando eu morrer, há de se fazer justiça à minha vida. Em qualquer cantinho ou em todos os cantos por onde andarem meus amigos, todos os dias há de entre eles irromper uma lembrança de mim.
Quero que todos recordem que fui um gajo com algumas boas qualidades e defeitos perdoáveis.
Quero que se lembrem do que escrevi, do que falei, do que preguei e quero que, em modesto reconhecimento à minha passagem, cerquem todos os parques da minha cidade, começando pela Redenção, que há 40 anos sonhei fosse cercada, para ser preservada à noite dos vândalos e aberta de dia estuante a seus visitadores.
Quero que todos se recordem que fui um moço e velho sentimentalista que amei muito a minha cidade e o meu Estado, que por sua parte me amaram também um pouco.
Quando eu morrer, quero que meus filhos e meus netos se orgulhem de dizer, se isso não lhes constranger, que são filhos e netos de um jornalista que procurou trilhar o bem, que quis bem à sua gente e lutou por ela em todos os seus espaços, dia e noite, noite e dia, até por isso descuidou de sua família.
Quando eu morrer, espero que demore ainda muito tempo esse dia, quero que todos se lembrem de mim com um só pensamento: “Foi um bom sujeito e está ainda fazendo muita falta”.
É isto mesmo! A única coisa que idealizo é que sintam falta de mim.
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