sexta-feira, 12 de novembro de 2010



12 de novembro de 2010 | N° 16517
DAVID COIMBRA


Almoço no palácio

Ontem conheci os túneis de fuga do Palácio Piratini. Era um sonho antigo. Realizei-o depois de almoçar na ala residencial do palácio, a convite da governadora Yeda Crusius. A governadora chamou dúzia e meia de jornalistas para o repasto, numa espécie de prestação de contas de fim de mandato. Antes do encontro, o Luiz Araujo, também de ZH, disse-me que pediria para ver o quarto de Getúlio Vargas.

– Vou contigo! – falei, entusiasmado.

Veríamos muito mais.

Almoçamos no “Salão de Banquetes”, sentados a uma solene mesa de nogueira maciça com 22 lugares, cercados por decoração barroca e rococó. Mas não chegou a ser o que antigos cronistas classificariam de “lauta refeição”, embora fosse saborosa.

O prato principal foi leitão pururuca com arroz branco, farofa, couve mineira e um purezinho de maçã. Antes, salada e frutas da estação. Depois, uma cremosa torta de baunilha urdida pelo mestre argentino Diego Andino. Para tirar a poeira da garganta, um ilibado cabernet sauvignon da Boscato.

Entre uma garfada e outra nas paredes crocantes da sobremesa, a governadora, uma entusiasta de doces, informou que em 17 de dezembro abrirá todas as contas do governo. Prometeu:

– Meu sucessor encontrará o cofre cheio. Ele nem saberá onde gastar.

Em seguida, começou o passeio pelo palácio, todo reformado ao custo de R$ 3 milhões, “baratíssimo”, na avaliação da governadora. O palácio é, de fato, um palácio. Monumental, suntuoso, mesmo na ala residencial. Levantando o queixo para indicar o pé-direito altíssimo, a governadora perguntou:

– Quem pode viver num lugar como este?

Antigos moradores, como os familiares do ex-governador Synval Guazelli, juravam ter visto o magro fantasma de Borges de Medeiros rondando pelos corredores. Yeda confirmou as manifestações macabras:

– Há fantasmas até de dia, abrindo portas e janelas. Mas eu não tenho medo dos mortos; tenho medo dos vivos.

Passamos pelo quarto de Getúlio, que hoje não é mais quarto; é sala. Passamos pelo famoso banheiro reformado por Neusa Canabarro, onde ela havia instalado telefone privativo e, diziam, torneiras de ouro. Não vi sinal do ouro, nem do telefone.

Nos jardins do palácio, enfim, vi os túneis. Ou pelo menos um deles, escuro, estreito, onde mal cabe um adulto de ombros de nadador, como eu. Existem outros dois. Um leva ao outro lado da praça, dois terminam às margens do Guaíba.

Tudo muito interessante, mas o que me deixou mais intrigado foi saber que, em novembro de 2009, Yeda Crusius encomendou uma alentada pesquisa qualitativa e quantitativa para descobrir as razões dos altos índices de sua rejeição. Baseada na pesquisa, candidatou-se à reeleição, mas não sem antes alertar aos seus assessores:

– O Tarso vai ganhar no primeiro turno.

O resultado da pesquisa é intrigante: a parcela da população que mais rejeitou Yeda foi... a das mulheres. A governadora concluiu que as mesmas mulheres que a elegeram e que tinham convencido os maridos a votar nela se decepcionaram com as denúncias contra o governo e lhe negaram a reeleição. Elas não a perdoaram pela má imagem, portanto.

Saí do palácio pensando nisso. E cogitando que talvez não tenha sido bem assim. Talvez Yeda Crusius, que encontrou a mais dura oposição em Luciana Genro e Rejane de Oliveira, mulheres como ela, talvez Yeda Crusius tenha sido vítima de um sentimento atávico, velho como a Civilização: a invencível rivalidade entre as mulheres. Muito da história do mundo tem sido mudado por conta deste sentimento.

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