sábado, 6 de novembro de 2010



07 de novembro de 2010 | N° 16512
VERISSIMO


Língua no ouvido

Chegou o dia da separação, e o problema de sempre: o que é de quem?

E os CDs?

– Metade para cada um.

– Como, metade para cada um? Eu quero escolher os meus.

– Está bem, está bem.

Ela começou a separar os CDs. Os que ela queria numa pilha, os que podiam ficar com ele em outra.

– Espera lá! – gritou ele, no meio da operação. – Os Beatles ficam comigo!

– Não sei por quê – reagiu ela. – Botei todos os Luiz Miguel na sua pilha.

– Eu eu lá quero o Luiz Miguel? Nunca gostei do Luiz Miguel.

– Arrá! Grande revelação. Ele nunca gostou do Luiz Miguel. Quer dizer que tudo aquilo era uma farsa?

O que ela queria dizer com “tudo aquilo”: os dois dançando ao som de um bolero cantado por Luiz Miguel. O apartamento na penumbra, iluminado apenas pela vela em cima da mesa em que tinham jantado. Só os dois. Colados um no outro. E ele (anos atrás, em outra vida) cantando junto com o Luiz Miguel no ouvido dela. Ele dizendo “Você não adora o Luiz Miguel?” E ela: “Adoro, adoro”. E ele “Essa vai ser a nossa música para sempre”. E ela; “Para sempre, para sempre”.

– Além do Luiz Miguel, o que mais era mentira?

– Não mude de assunto. Os dois Beatles são meus.

– Um para cada um.

– Os dois. Na minha pilha. Pode ficar com o Luiz Miguel.

– Eu odeio o Luiz Miguel! Está me ouvindo? Odeio. Sempre odiei.

– Arrá! Então a fingida era você!

– E vou dizer mais. Eu odiava quando você cantava bolero no meu ouvido. E mais...

– Olha o que você vai dizer...

– Odiava quando você enfiava a língua no meu ouvido. Odiava!

– Ah, é? Ah, é? E aqueles gemidos eram pura encenação?

– Eram. Quer saber? Eram. Não sei de onde vocês tiraram que mulher gosta de língua no ouvido!

Decidiram suspender a partilha dos discos antes de se atracarem e rolarem, rosnando e trocando insultos, pelo carpete. Ele foi até a janela, respirar fundo.

Ela foi examinar os fundos de armário para ter certeza de que não estavam esquecendo de nada. Foi quando ela deu com a garrafa de champanha. Trouxe a garrafa para ele ver.

– Lembra?

– Meu Deus. Onde estava isso?

– No fundo de um armário. Nós tínhamos guardado lá para comemorar... O que mesmo?

– Faz tanto tempo...

Tinham guardado o champanhe para abrir num dia especial, no futuro. Que dia seria esse? Nenhum dos dois conseguiu se lembrar. E, mesmo, a champanha já devia estar choco.

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