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sábado, 13 de novembro de 2010
13 de novembro de 2010 | N° 16518
PAULO SANT’ANA
O engarrafamento
Estou saindo de casa e me encaminhando para o trabalho. São seis horas da tarde.
Evito desde logo a Avenida Nilo Peçanha, onde me esperaria o terrível gargalo com a Carazinho, o Triângulo das Bermudas, o cemitério catastrófico da maldita rotatória.
Enveredo para a Saturnino de Brito, ansiando por liberdade de dirigir sem entraves.
Qual o quê! Topo com o maior engarrafamento da minha vida. Enervante engarrafamento, desanimador engarrafamento.
Acima de tudo, assustador engarrafamento. É que com o trânsito dá-se o seguinte: ele cada vez fica pior e chega a ser arrepiante calcular-se que haja ainda no futuro algo pior que esse engarrafamento que me amassa e me impede de viver um sequer momento de serenidade.
Há mais engarrafamento pela frente. Sinto nitidamente que as sinaleiras estão mais demoradas. E há muitas sinaleiras ainda por vencer.
É um inferno, sei que não é só comigo. Dá-se com centenas de milhares de motoristas em centenas de pontos da cidade, todo mundo martirizado pelo congestionamento.
A percepção de que os engarrafados estão gastando mais que o triplo de combustível acicata todos os espíritos.
O pior é que o engarrafamento vem acrescer-se aos outros sofrimentos todos das pessoas, que têm problemas, que têm dívidas, que estão com os orçamentos estourados e cada vez se tornam mais altos os preços das consultas com psiquiatras e psicólogos, imprescindíveis nesta quadra da vida em que a cidade grande cada vez mais comprime as mentes das pessoas na direção de doenças nervosas e emocionais.
Já cumpri os 23 minutos que leva uma viagem normal da minha casa até a Zero Hora. E ainda não cheguei nem à metade do trajeto. Exercito esse cálculo e quase desanimo. Sinto vontade de sair do carro e deixá-lo no meio da rua, gritando por socorro e engarrafando mais ainda o trânsito.
Continua lento ou parado o fluxo. O mercado fluente dos carros e a falta de obras viárias por governos relaxados e sucessivos soam como os grandes culpados desse caos.
Um caos burro, porque condenou-se a todos ao engarrafamento: carros, ônibus, lotações, táxis e motos. Todos têm de entrar na fila sinistra e irritante.
Por instantes, abençoo os que conseguem planejar suas vidas no sentido de só dirigirem carros à noite, quando desaparece o engarrafamento. São uns inspirados.
Antigamente, quando ocorriam raros engarrafamentos, o que se ouvia era um buzinaço dos carros, todos protestando pelo congestionamento.
Agora, não. Agora, os motoristas se conformam com seu destino adverso e deixam suas buzinas silenciosas. Parece que todo mundo desistiu de protestar e não tem a quem protestar.
Não há lugar da cidade por onde se possa transitar sem engarrafamento. Às vezes, engarrafam até mesmo ruas secundárias. É uma maldição.
Os passageiros de táxi ficam ainda mais aflitos, porque os táxis são presos pelo engarrafamento, mas os taxímetros continuam marcando, a tarifa é cara para quem anda sempre de táxi, como expliquei a um taxista que me dizia que a tarifa é barata: “É barata para quem anda de táxi de 10 em dias, para quem anda todos os dias e durante várias vezes por dia, esta tarifa é impagável”.
Chego finalmente à Zero Hora e um percurso que normalmente dura 23 minutos, incrivelmente durou 73 minutos!
É o fim da picada, o fim dos tempos, chego a pensar que aquela minha frase muito usada aqui em Porto Alegre, só minha, exclusivamente minha frase, tem de ser pronunciada: o suicídio é um dever.
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