segunda-feira, 8 de novembro de 2010



08 de novembro de 2010 | N° 16513
L. F. VERISSIMO


Não riram

O filme italiano Vincere, do Marco Bellochio, é sobre uma das mulheres na vida do Mussolini. Inclui documentários da época da ascensão do fascismo e cenas reais do Mussolini no poder, discursando ou fazendo suas poses de Duce para multidões delirantes.

Se não fosse a diferença na qualidade das imagens, apesar do ótimo trabalho de restauração feito no material de arquivo, você poderia jurar que o Mussolini dos documentários é que é o falso, um péssimo ator num desempenho caricato e inverossímil, e não o que o interpreta no filme. E, no entanto, este bufão mandou e desmandou durante 20 anos numa das grandes civilizações da Europa.

Mais do que estranhar o fato de a terra de Goethe e Bach ser também a terra da Gestapo e uma grande tradição renascentista e humanista não ter impedido o nascimento do fascismo, o que espanta, tanto na Alemanha do também caricato Hitler quanto na Itália de Mussolini, é a consagração do ridículo.

O triunfo da histrionice fascista dependeu, antes de mais nada, de uma suspensão do senso de ridículo da plateia. Milhões morreram porque milhões não riram quando deveriam.

O que nos traz ao Berlusconi. O atual primeiro-ministro italiano lembra Mussolini tão pouco quanto a Frau Merkel lembra Hitler, mas sua chegada reincidente ao poder, também dependeu de uma inexplicável pane no espírito crítico italiano.

Se há um líder ocidental cujo caráter está exposto na cara é o Berlusconi, e, no entanto, de novo, não riram, e o seguiram. Ou então, os tempos sendo outros, talvez o eleitor italiano tenha conscientemente escolhido o mais ridículo para se divertir e fazer uma profissão de desencanto.

Depois de tantos anos de bagunça política, de tanta hipocrisia democrata-cristã e socialista, manter no poder um “mascalzone” explícito, representando nada mais do que os seus próprios bolsos, é uma forma de protesto. Apoiando um empreendedor sem escrúpulos bem-sucedido, a maioria dos italianos teria aderido ao cinismo da época, que também não deixa de ser um antídoto para a hipocrisia. No caso, estariam rindo com ele.

Vincere, por sinal, é um belo filme, na linha do cinema político que fazia na Itália, melhor do que ninguém, a geração do Bellochio. Ele deve estar com seus 70 anos. Continua em forma.

Consolo

Um dos prazeres das férias foi ler, pela internet, o que o Carpinejar escrevia neste espaço. O cara é tão bom que quase aderi ao movimento “Não precisa voltar, Verissimo” para poder continuar a lê-lo.

Nosso consolo, meu e dos outros leitores, é que ele segue escrevendo na ZH.

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