quarta-feira, 24 de novembro de 2010



24 de novembro de 2010 | N° 16529
PAULO SANT’ANA


A burrice crônica

A natureza fez homens burros e homens inteligentes. Não quero me jactar, mas não sou burro.

Posso não ser bonito, não ser forte, não ser musculoso, não ser rico, não ser jovem, mas tenho certeza de que não sou burro.

Burrice é a dificuldade em raciocinar. Eu fico espantado com a burrice de certas pessoas. É fácil chegar-se a determinada conclusão, mas essas pessoas não atinam para o que é certo ou verdadeiro.

Mas há certos tipos enganosos de burrice. Há determinadas pessoas que são eloquentes, são cultas, mas são burras. A eloquência e a cultura delas servem de verniz para sua pseudointeligência.

A burrice, por vezes, é tão ostensiva, que se torna irritante. Não se entende como é que evidentes verdades não entrem nas cabeças de algumas pessoas.

Existem no meu meio ou nas minhas circunstâncias algumas pessoas que são conhecidas como burras, sua burrice crônica tornou-se célebre nas conversas que temos sobre esse aspecto.

São burrices de doer. E são burrices ilustres, diárias, permanentes, algumas até são burrices vencedoras, conseguiram destaque no meio social através da burrice.

Para muita gente inteligente, a burrice crônica é uma chatice. Embora, para mim e para alguns escolhidos amigos meus, a burrice às vezes seja uma atração: nós nos combinamos e fazemos uma pergunta para um burro, sabemos que a resposta que ele vai dar será completamente descolada da realidade e nos divertimos muito com aquela tacanhice esférica.

Vou dar um exemplo de burro bem-sucedido: é o burro que tem memória privilegiada.

A memória é a maior auxiliar da inteligência. Minha memória é péssima. Se eu tivesse boa memória, seria um gênio.

Então, temos que um indivíduo burro que tem excelente memória pode obter sucesso em muitas áreas culturais, sociais, profissionais.

Quem tem boa memória pode muito bem enganar os outros, que pensam que estão tratando com um cara inteligente.

O exercício da boa memória se diferencia do exercício da inteligência. A memória é uma gravação na mente. Já a inteligência é um repente, um relâmpago. A memória retém, a inteligência dispara.

Uma pessoa inteligente que não tem boa memória sofre muito para vencer na vida. Ao contrário dos burros com boa memória, que às vezes se tornam até notáveis.

Não adianta virem querer me dizer que tenho boa memória porque sei 3 mil letras de música e 800 sonetos e poemas, tudo de cor.

Tenho sérios problemas de memória. Por exemplo, sempre me esqueço, invariavelmente me esqueço, do termo atávico. Sempre que raciocino em torno de caracteres que são recebidos de ascendentes remotos, procuro em vão a palavra que isso signifique e nunca topo em minha memória com atavismo.

Agora mesmo, para escrever essa palavra, tive de recorrer à memória e à inteligência do meu colega Olyr Zavaschi. É impressionante como muitas vezes me escapam palavras no breu do vazio memorial.

E tenho também péssima memória topográfica. Se vou até um endereço da cidade hoje, amanhã não sei mais como chegar lá.

E outros tipos de memória me são deficientes.

Ah, se eu tivesse memória, seria um Albert Einstein ou um Leonardo da Vinci.

Tenho certeza de que Einstein e Da Vinci, além de inteligentes, tinham memória afiada.

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