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terça-feira, 9 de novembro de 2010
09 de novembro de 2010 | N° 16514
MOACYR SCLIAR
Escritores e preconceito
Monteiro Lobato foi um notável escritor. Seus livros, que primam pela imaginação e pela visceral ligação ao modo de ser brasileiro, fizeram a cabeça de muitos leitores, entre os quais me incluo.
Mas ele não estava imune aos estereótipos de seu tempo. Uma nota no Conselho Nacional de Educação (CNE) aponta referências consideradas desrespeitosas em relação aos negros, no livro Caçadas de Pedrinho (1933).
E já em 1914 ele havia escrito, para O Estado de S. Paulo, dois artigos, “Urupês” e “Velha praga”, queixando-se dos caboclos do interior, segundo ele inadaptáveis à civilização. O texto de maior impacto falava do Jeca Tatu, tipo apático e preguiçoso, “piolho de terra”, versão humana dos urupês, plantas parasitas, inúteis.
Esta posição certamente refletia a frustração do próprio Lobato, que várias vezes vira fracassar seus ambiciosos empreendimentos agrícolas e que portanto precisava culpar alguém. Os textos tiveram repercussão, o personagem ganhou popularidade, mas Lobato veio a se arrepender disso, ao ler o relatório “Saneamento do Brasil”, dos médicos sanitaristas Artur Neiva e Belisário Pena, texto pioneiro que descrevia a espantosa miséria e a deprimente condição sanitária no interior do Brasil.
Não eram poucos os brasileiros que sofriam de verminose, sobretudo a ancilostomose, que se acompanha de anemia, manifesta na palidez (o “amarelão”) e na perda de energia. A solução estaria no saneamento básico (água, esgoto, coleta de lixo), que então transformou-se numa causa, numa bandeira de luta. Para defendê-la, surgiu a Liga Pró-Saneamento (era a época das Ligas – o termo implica uma união cimentada por patriotismo não raro exacerbado).
A esta causa, converteu-se Lobato. O problema do Jeca Tatu, constatava-o agora, não era preguiça, era doença. O seu arrependimento aparece na quarta edição de Urupês (1918), em que diz, dirigindo-se ao imaginário Jeca: “Eu ignorava que eras assim, meu caro Tatu, por motivo de doenças tremendas. Está provado que tens no sangue e nas tripas um jardim zoológico da pior espécie. É essa bicharia cruel que te faz feio, molenga, inerte. Tens culpa disso? Claro que não”.
Amigo de Cândido Fontoura, farmacêutico que criara o famoso Biotônico, mistura de vários componentes, entre eles o ferro, que combatia a anemia, colaborou com ele escrevendo o Almanaque do Jeca Tatu.
Ali explicava de maneira simples como as larvas dos vermes penetravam nas solas dos pés descalços (andar sem sapatos era a regra). Jeca Tatu e sua magra, pálida e triste família recuperam a saúde com o Biotônico Fontoura. O caboclo se transforma em fazendeiro rico, graças às “botinas ringideiras”.
Escritores não são necessariamente sábios, não estão livres de ideias equivocadas, como mostra o caso daqueles que aderiram ao nazismo e ao estalinismo. Mas daí a censurar obras, como pretendia a proposta apresentada ao CNE, vai uma distância grande, sobretudo porque censura sempre é condenável.
Importante é fazer uma leitura crítica, a partir de notas acrescentadas às edições originais e a partir sobretudo da escola. Proposta que Jeca Tatu, do alto de suas botinas, aplaudiria com entusiasmo.
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