quarta-feira, 10 de novembro de 2010



10 de novembro de 2010 | N° 16515
DAVID COIMBRA


Nada pior do que a melhor idade

Digamos que um homem de 60 anos de idade tenha sido assaltado em Porto Alegre, fato banal, mas volta e meia merecedor de registro no que o pessoal gosta de chamar de “mídia”. Uel. Como a Editoria de Polícia de Zero Hora se referiria ao dito cujo? Assim:

“O idoso não reagiu, mas...”

O idoso.

Um cara de 60 anos é classificado de “idoso”. Bobeia, eles escrevem “o ancião”. Eu, quando chegar aos 60 anos, que pretendo chegar, eu não quero ser chamado de idoso. Se disserem que estou na “melhor idade”, processo. Prefiro até “ancião”, mas não me importo nem um pouco com o velho “velho”. Vez em quando até digo para o meu Pocolino:

– Venha cá, rapaz, e pespegue um beijo no seu veeeelho pai.

Digo pespegue para enriquecer-lhe o vocabulário, assim como insisto para que ele, quando não quer algo, dê um “não peremptório”. Ele diz pelemptólio, mas todo mundo entende.

Enfim. O fato é que, para os redatores, um sexagenário é um maldito idoso. Ora, Paul McCartney, que embeveceu Porto Alegre dias atrás, tem 68 anos. Logo, era um idoso que cantava roquenrol e pulava e tocava guitarra naquele palco do tamanho de uma fachada de hospital.

Paul McCartney, um beatle, um pop star, é um idoso.

Não combina.

Roqueiros são símbolos de juventude, embora juventude seja uma palavra antiga, que não se aplica mais aos jovens de hoje. No máximo, ao time de Caxias.

Sujeitos como Macca, como Ringo, como os Stones, esses não poderiam nunca ser idosos. Bem fizeram John Lennon, Jimi Hendrix e Jim Morrison, que viveram rápido e morreram jovens.

Paul, Ringo, Keith Richards, Mick Jagger e outros sobreviventes, eles venceram, eles continuam respirando. Porém, pagam o preço de ser... idosos. O que eles são não está de acordo com a aparência que têm.

Você olha as fotos do Paul McCartney desde que ele tinha 17 anos. Qual deles é o verdadeiro Paul McCartney?

E você? Veja suas fotos antigas. Quem é o verdadeiro você? Quem você acha que é? Com quantos anos você se sente?

Dia desses, ouvi o psicanalista Contardo Caligaris afirmar que não existe autoestima. Para ele, as pessoas se veem da forma como os outros as veem.

Hm. Não sei se concordo. Algumas pessoas pensam muito bem sobre si mesmas a despeito da péssima imagem que os outros têm delas. De qualquer forma, o olhar do outro é importante.

Para alguns, mais do que importante; decisivo. Sobretudo para artistas e belas mulheres em geral. Li uma entrevista de Jane Fonda falando sobre esse tema. O repórter a elogiou, disse que continuava linda, apesar da idade. Ela sorriu com triste ironia.

– Não... – respondeu. – Não... Eu sei como é ser olhada com desejo pelos homens. Conheço esse olhar. Sei que eles não me olham mais assim.

Dramática, a declaração da ex-lindíssima Jane.

Jogadores de futebol também enfrentam esse drama. Muitos, talvez a maioria, não sabem quando parar. Alguns, como Ronaldo Nazario, lutam contra o fim até... o fim. Que saga única desse craque.

Que história grandiosa. Que personagem, esse Ronaldo, sempre caindo e sempre se reerguendo, sempre se superando, vencendo a si mesmo e mostrando que a vontade é maior até do que a natureza.

Até quando poderá jogar um Ronaldo Nazario? Até quando poderá cantar um Paul McCartney? Haveria de ser para sempre. Pelo mesmo motivo: porque, ao ver Ronaldo Nazario em campo e ao ver Paul McCartney no palco, vê-se que eles amam o que fazem. Eles fazem por amor, e o que é feito por amor é bem feito. Pena que um dia, como tudo na vida, acabe.

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