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sábado, 27 de novembro de 2010
28 de novembro de 2010 | N° 16533
MOACYR SCLIAR
Woody Allen e a velhice
O ideal seria gostar da vida e saboreá-la até o último instante
Woody Allen está com 74 anos. E não gosta da idade que tem. Mostra-o o seu mais recente filme, Você vai Conhecer o Homem de seus Sonhos (You Will Meet a Tall Dark Stranger). Como é comum no cinema alleniano, há várias histórias paralelas. Anthony Hopkins divorcia-se de sua esposa de muitos anos (Gemma Jones).
Em busca da juventude, casa com uma jovem prostituta, tem de recorrer ao Viagra e é traído. Já a ex-esposa procura uma adivinha, com a esperança de encontrar o homem de seus sonhos.
A filha de ambos (Naomi Watts, excelente) está casada com um escritor medíocre, que tenta, sem êxito, repetir o sucesso do primeiro livro; ambos, igualmente, buscam a resposta para suas inquietudes em casos extraconjugais. Mas Allen não aposta muito nisso; para ele, o tall dark stranger talvez seja, não um ideal romântico, mas o Anjo Exterminador.
Em relação à morte, disse Allen numa entrevista: Tenho uma posição definida: sou contra. Mas a velhice é inevitável: problemas de visão, de audição, de indigestão, dores (bem de acordo com aquele dito da Marieta Severo: se você está velho e acorda sem dores, provavelmente está morto). Aliás, e não por acaso, o filme cita a frase de Shakespeare em Macbeth, segundo a qual a vida é uma história /contada/ por um idiota, cheia de /som e fúria/, significando nada.
À qual o pessimista Allen acrescenta: A única maneira de ser feliz é contar a você mesmo algumas mentiras e acreditar nelas. Nem como cineasta ele se poupa: Tive completa liberdade artística, coisa que outros diretores não conseguiram; entre uns 40 filmes, deveria ter pelo menos 30 obras-primas, mas isso simplesmente não aconteceu.
Woody Allen não está sozinho em suas queixas. Num mundo que valoriza, de maneira quase religiosa, o novo e a inovação, velhice não está com quase nada; não por outra razão, usa-se as expressões “terceira idade” e “melhor idade” (esta um trocadilho patético com “maior idade”) para minimizar o desconforto sentido por muitas pessoas.
Da mesma maneira, a palavra velho admite variantes. A primeira é o diminutivo. “Velhinho” é o termo que as pessoas usam com uma mistura de afeto, de compaixão, de humor. E que tem fundamento: com a idade, a pessoa encolhe, torna-se menor. Isso sem falar em traços infantis que então emergem – essas pessoas que gostam de brincar, de dançar, de se fantasiar. O velhinho é isso, uma pessoa engraçada, simpática, comovente.
Já “velhote” tem outro significado; o velhinho é puro, inocente, alguém que, inclusive, já se livrou das constrangedoras e imorais pressões do sexo. O velhote (que podemos imaginar com cavanhaque e olhar brilhante) é um cara vivaz, meio safado, mas ainda simpático. O velhaco, não. E aí há um motivo para estranheza, porque a palavra velhaco, que designa um trapaceiro, um vigarista, não vem de “velho”. É então simples semelhança?
Ou uma associação significativa, a indicar que, para sobreviver na dura luta pela vida o velho ou o velhinho precisam se tornar velhacos, como aqueles que, na Bíblia, ficavam espiando a casta Suzana pelada no banho? De qualquer maneira há algo de admirável no velho velhaco: é o apetite pela vida, mesmo que mediado pela sacanagem.
O ideal seria gostar da vida, saboreá-la até o último instante. O ideal seria aceitar a palavra velho com a maior naturalidade possível. Ou então recorrer às variantes do termo, tentando, através deles, encontrar, se não uma explicação, pelo menos uma maneira mais divertida de viver. Uma maneira divertida como, digamos, os filmes de Woody Allen.
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