quarta-feira, 10 de novembro de 2010



10 de novembro de 2010 | N° 16515
DIANA CORSO


Ventre Livre

Nesta campanha eleitoral, na qual duas fortes candidatas eram mulheres, discutiu-se o aborto, mas com poucos resultados. O acento ficou em torno das questões religiosas, as quais consistem na abordagem menos produtiva e cuidadosa para a realidade que envolve a interrupção da gestação e os cacos que terão que ser colados depois de sua passagem.

Ninguém é entusiasta do aborto, mas qualquer um que já trabalhou em saúde pública sabe que ele é uma sofrida realidade que envolve milhares de mulheres, e sermos contra ou a favor praticamente não interfere na maioria das condutas.

Quando acontece, o aborto é uma das mais sofridas experiências na vida de uma mulher. Desde o início da fecundação, ela vê-se tomada de manifestações físicas e psíquicas que impactam totalmente sua existência: sua atenção e sono ficam alterados, seu corpo muda de formas quase imediatamente, é como um país invadido por outro que altera e interfere na cultura da nação sitiada.

Quer tenha sido fruto de um acidente, do descuido irresponsável ou de um desejo, uma fecundação sempre será significativa, restará como um evento que assumiu uma magnitude inusitada, no qual uma relação sexual torna-se potencialmente um destino. Por isso, sua interrupção será para sempre uma encruzilhada inesquecível na qual se escolheu uma das vias.

Esse evento fará aniversário, será uma marca na existência, um divisor de águas. Justamente por isso não se pode tratar do tema como se fosse apenas um dilema moral, mais que isso, é uma questão de liberdade pessoal, de autonomia, e só deveria assumir uma dimensão pública por demandar atendimento de saúde.

Na prática, para aquelas que decidem que não querem ou não podem manter uma gestação abre-se um calvário, onde serão maltratadas pela clandestinidade dos métodos, pelo silêncio punitivo de todos, justamente quando estão frágeis e precisariam ser apoiadas e escutadas.

Imagine o que significa para uma mulher sentir todas as transformações, sofrê-las durante semanas, grávida de um filho que não deseja ter, passar pela intervenção cirúrgica do aborto, elaborar a decisão tomada, sangrar e sentir dores, tudo no mais completo isolamento.

Espero que nossa futura presidente seja mulher o suficiente para saber que a fecundidade não se alinha totalmente com a condição e o desejo de ser mãe. Deslizes acontecem, por culpa do inconsciente ou da natureza, mas muitas vezes eles não habilitam para a jornada da maternidade.

Para um filho dar certo a mulher precisa escolher. Por lei, ela precisaria ter seu ventre libertado da imposição de procriar.

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