sábado, 27 de novembro de 2010



Travessia de volta

Nico Fagundes conta como enfrentou “a sanga escura e funda” que o abateu durante 10 dias

Não é fácil morrer. Parece fácil, mas não é. Em dois casos: quando os melhores recursos médicos estão disponíveis e quando o enfermo é amparado por uma verdadeira corrente humana e espiritual de parentes, amigos e admiradores. A isso se soma ainda o natural instinto de sobrevivência que normalmente é tão forte em cada ser humano.

No meu caso foi assim. Atravessei uma sanga escura e funda e muita gente boa achou que eu não completaria a travessia: uma vil bactéria me deu um pealo de cucharra, e eu quase não chego do outro lado. Aos 76 anos, afinal de contas, não sou mais guri, obviamente não tenho a resistência que me fez atravessar até aqui todas as sangas, folheirito no mais.

Não foi fácil, claro. Durante 10 dias, curti dores atrozes, entrei e saí de coma, delirei como um alucinado, mas venci. Poderia dizer como Jean Mermoz: “O que eu fiz, palavra que nenhum bicho – só um homem poderia ter feito”.

Ao longo desses dias, nas horas de desespero, eu me grudava nas mãos da minha Anitinha como um náufrago ao escolho e ela ali, firme, impávida, procurando transmitir serenidade, sem nunca deixar de acreditar em mim. Nunca duvidou e nunca abandonou seu posto, às vezes usando com habilidade a network de sua capacidade de fazer amizades e conquistar pessoas, sobretudo os médicos e as enfermeiras do Hospital Moinhos de Vento.

Quer dizer: conquistou assim, e acredito que para sempre, a minha família e os meus amigos que até agora não cessam de elogiar a sua atuação na crise. Porque a minha família sempre esteve ali. Os Fagundes são uma “societas” como as “sceleres” da Roma antiga, só que no nosso caso o que nos une é o amor. É incrível e indestrutível o profundo amor que une um Fagundes aos outros. Acho que é coisa do velho Euclides e da Dona Mocita. Um amor disciplinado pela Igreja Metodista, que é a nossa confissão religiosa.

Lá estavam os meus irmãos Aldo e Bagre (o Júlio César e o João Batista ligavam de longe), lá estavam Marlene Villaverde Fagundes, a mana Florinha (a mana Irlê telefonava do Alegrete, a mana Elida, que é Presbítera da nossa igreja me mandava a bênção de Gideon “Deus está contigo, homem valente” e sustentava a Anitinha com seu conforto espiritual). Os sobrinhos, Neto, Ernesto, Paulinho e Luciana, não arredavam o pé do hospital, onde o Pastor Ivo entrava e saía tanto como os médicos do Moinhos de Vento.

Pessoas queridas saíam chorando ao ver que o amigo estava morrendo. Muita gente deve ter surpreendido os visitantes com suas lágrimas: Rodi Pedro Borghetti, Carlos Castillo, o Bibiko da Sauna (“Te Larguei”), o querido Andre Sacola, Carlinhos Castillo, que é ateu assumido, se pegou num mano a mano com Deus para salvar o amigo... De longe, o padre Mário Scopel dos Cavaleiros da Paz rezou uma missa inteira em latim para salvar o seu Comandante.

Mas foi fundamental o atendimento de primeira hora da dra. Jane Costa do Hospital de Caridade ainda em Santa Maria, do prefeito Cezar Schirmer, do apoio da RBS TV, que nunca deixa a sua peonada de a pé (gracias, Neymar e Márcia). Da RBS, os grandes Nelson e Jayme Sirotsky, Alice Urbim e equipe do Galpão Crioulo eram constantes.

E me comoveu muito saber agora que o Jorginho e o Maguila do Galpão Crioulo choravam como crianças pensando que perdiam o amigo. O Clube de Truco Pitoco esteve sempre lá, capitaneado pelo dr. Nei Machado.

O dr. Cyro Leães, que comandou essa operação de guerra, teve o seu nome trocado pelo Bagre: agora é Dr. Salvador. Que Deus abençoe sempre e muito aquelas pessoas maravilhosas que desde longe, até da Europa e da Argentina, no lombo do cavalo fizeram círculo de orações. Eu estava exagerando no trabalho e Deus me mandou um alerta. Combinamos a Anitinha e eu diminuir o ritmo.

A lição valeu.

ANTONIO AUGUSTO FAGUNDES

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