sábado, 20 de novembro de 2010



21 de novembro de 2010 | N° 16526
DAVID COIMBRA


Uma noite no sarau

A Katia Suman fala com gingado, num ritmo de gato vadio, de onda lambendo a areia. A Katia Suman falando é blues. Quando ouço a Katia Suman na Itapema me sinto muito mais cool. Manja cool? Não existe correspondente para cool em português. Seria “legal”, talvez, só que cool é muito mais legal do que legal. Cool é, bom, cool.

Então, cara, eu me sinto cool, me sinto bem ouvindo a Katia Suman. Sinto que estou em um lugar em que as coisas estão acontecendo.

Pois terça-feira agora a Katia Suman leu um texto meu no Sarau Elétrico. Vou dizer: escrevo muito melhor na voz manemolente da Katia Suman. Vou contratá-la para ler todos os meus livros.

O tema do Sarau eram dois temas: mulher e futebol. Assuntos aprazíveis, por supuesto. Defendi-me com a abertura do meu livro Jogo de Damas. O Fischer leu principalmente trechos do Diário de um Fescenino, do Rubem Fonseca. Esse romance eu o li quando foi lançado, há uns seis ou sete anos.

Não posso dizer que seja uma obra-prima, mas tem lá uns nacos de texto vigorosos, alguns deles justamente os escolhidos pelo Fischer. E, se o Fischer não tem a cadência malandra da voz da Katia Suman, sobra-lhe o carisma do intelectual respeitado. Enquanto ele falava, vi que da plateia lucilavam os olhares de admiração de muitos que, supus, deviam ser seus alunos ou ex-alunos.

Identificar essa luz no semblante de um aluno deve ser o que basta para alguém querer ser professor. Ah, se eu soubesse ensinar, me esforçaria para ser parecido com um Fischer. Não conseguiria, sei. Mas tentaria.

Enfim, o Fischer foi lá e deu seu show. Contou como o personagem fescenino de Rubem Fonseca submergia na situação mais infeliz em que um homem pode se encontrar no lamacento terreno amoroso: a relação com duas mulheres ao mesmo tempo. As mulheres dizem que o bígamo é um sem-vergonha, um aproveitador. Não é nada disso. Ele é um desgraçado.

Mas o Sarau. Depois, quem se apresentou foi a Claudinha Tajes. Você já viu a Claudinha Tajes em pessoa? Você olha para a Claudinha Tajes e vê uma menina que cora, que retorce as mãos, que fala fitando o bico das sapatilhas.

Os passarinhos gorjeiam quando a Claudinha Tajes abre a boca e dela sai sua voz de leite condensado. Mas os interesses literários da Claudinha Tajes não são os de uma bandeirante, não são os de uma madre-superiora, não mesmo. A Claudinha Tajes escreve sobre desejos nem tão incontidos, descreve cópulas no sofá-cama, não se intimida com as ânsias de homens provectos, de mulheres pré-adolescentes ou de travestis bem-resolvidos.

Um dos textos lidos entre risotas pela Claudinha Tajes, para se ter ideia, versava acerca das dimensões hipoteticamente diminutas do pênis dos japoneses, comparando-o a um tristonho sushi. Sabe aquilo dos “frouxos de riso”? Foi o que causou a leitura da Claudinha Tajes à assistência.

E assim seguiu a noite do Sarau, entre mulheres lúbricas e pudicas, mulheres ardilosamente submissas ou sensualmente brutais, mulheres sedutoras ou nem tanto, mulheres fatais ou feias de morrer, mulheres, mulheres, mulheres, sempre mulheres.

E o futebol? A noite não era sobre mulheres E futebol?

O futebol jazia esquecido em algum canto escuro do bar, opaco e mudo. Porque não havia glórias ou dramas à vista. Porque só com Grêmio e Inter nem tão bem e nem tão mal é que os corações de gremistas e colorados podem alcançar a paz.

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