sábado, 13 de novembro de 2010



13 de novembro de 2010 | N° 16518
CLÁUDIA LAITANO


Como nossos pais

Com algum atraso, me alistei esta semana à tropa de fãs do seriado americano Mad Men, exibido no Brasil pelo canal HBO e já disponível nas locadoras (primeira e segunda temporadas) em DVD.

Você já viu muitos filmes e séries de TV que capricham nos figurinos e na direção de arte para recriar o clima de um determinado período, mas poucas vezes a mentalidade de uma época esteve realmente em primeiro plano e de forma tão bem-sucedida quanto em Mad Men (a expressão, criada nos anos 50, era usada para definir os publicitários nova-iorquinos, personagens centrais da série).

Cinquenta anos nos separam da agência de publicidade Sterling Cooper, onde anúncios de cigarro já não podem falar dos benefícios à saúde trazidos pelo tabaco e mulheres só aparecem em reuniões importantes para anotar ordens ou servir o cafezinho. Nixon e Kennedy disputam a primeira eleição em que a televisão terá um papel decisivo.

A euforia do consumo vive sua aurora, e a indústria cultural começa a soltar suas primeiras fumacinhas no céu. A transformação do papel das mulheres, em casa e no trabalho, estava ainda por acontecer, e essa é a diferença mais radical e perceptível a olho nu em relação aos dias de hoje, mas a série, idealizada pelo roteirista Matthew Wainer, nascido em 1965, inclui ainda referências ao racismo explícito, contra negros e judeus, que chocam nossa sensibilidade politicamente correta.

Assistir a Mad Men é como entrar naquelas fotos descoloridas do seu aniversário de um aninho e apanhar sua mãe ainda na cozinha batendo o merengue que vai decorar o pão de ló: mulheres ocupando-se das tarefas domésticas em regime de dedicação exclusiva, homens na sala conversando sobre futebol (não que isso tenha mudado muito...) e preocupados com os compromissos que precisam honrar com o único ordenado que sustenta a família, fumantes baforando sobre bebês de colo,

crianças brincando perto de janelas sem rede, pessoas de 30 mais parecidas com as de 50 do que com as de 20. (Uma versão brasileira do seriado provavelmente incorporaria peculiaridades locais, como a empregada doméstica de poucas letras e muitas horas de trabalho que servia aos homens da família nem sempre da forma convencional.)

Mostrar como funcionavam as relações de trabalho, as famílias, o sexo fora do casamento e a educação das crianças antes do politicamente correto e da revolução de costumes do final dos anos 60 acaba iluminando a nossa época também, por contraste. Hábitos que nos espantam (crianças levando tapas no rosto quando fazem alguma coisa errada, por exemplo) e mesmo aqueles que provocam alguma nostalgia (quem não gosta da ideia de ser recebido em casa com a mesa posta por uma mãe que adora cozinhar?)

colocam em perspectiva nosso modo de vida e nos lembram que quase tudo que nos parece tão natural quanto andar para frente deve ser encarado com uma pontinha de desconfiança e alerta. Somos sempre os piores juízes a respeito da nossa época, porque nos faltam o distanciamento necessário e a disposição para contrariar o senso comum.

Dava um cadilaque para estar aqui em 2060 e ver o que nossos filhos e netos acharão risível, estúpido ou francamente absurdo a respeito da geração que – com mais dúvidas do que certezas – está formando hoje os adultos do futuro.

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