terça-feira, 16 de novembro de 2010



16 de novembro de 2010 | N° 16521
MOACYR SCLIAR


O dia seguinte

Na semana passada, estive em Olinda, Pernambuco, para um dos mais importantes eventos literários do país, a Fliporto – era a Festa Literária de Porto de Galinhas, também em Pernambuco, mas agora mudou de lugar, e tem como sede uma cidade que dá testemunho da história do Brasil. Coisa que o prefeito não deixou de lembrar na cerimônia de abertura.

Olinda foi cenário do chamado 1º Grito de República, ocorrido há exatos três séculos (10 de novembro de 1710), cerca de 70 anos antes da Revolução Francesa e cerca de 60 anos antes da independência dos Estados Unidos.

Aconteceu na Câmara da cidade e teve como protagonista Bernardo Vieira de Melo, político, proclamador de uma República que não chegou a se concretizar. Atrás disso havia uma briga entre as cidades de Olinda e de Recife, entre os proprietários de engenhos, brasileiros, e os comerciantes portugueses de Recife, os mascates. O conflito culminou na Guerra dos Mascates, que durou um ano. Recife acabou vencendo e Bernardo Vieira de Melo foi levado para Portugal, onde morreu.

Notem a analogia com dois episódios posteriores: a Revolução Farroupilha, na qual nasceu a República do Piratini, e a proclamação do dia 15 pelo marechal Deodoro da Fonseca.

Num artigo publicado três dias depois, Aristides Lobo, ministro do Interior do primeiro governo republicano, comentou a perplexidade do povo diante daquele acontecimento incompreensível para as pessoas comuns. Lobo dizia que o envolvimento civil foi quase nulo e que a população julgou tratar-se de uma “parada militar”.

A conspiração que derrubou a monarquia envolveu uns poucos políticos, Benjamim Constant, Rui Barbosa, Quintino Bocaiúva. De qualquer maneira, a República foi proclamada e o dia 15 tornou-se feriado. São numerosas as avenidas, as praças e as ruas que se chamam Quinze de Novembro.

E o dia 16, o dia seguinte? Deveríamos pensar neste dia. Porque, na verdade, a História não começa, e não se encerra, num dia glorioso, num dia de proclamações, de espadas desembainhadas. A História é feita do cotidiano, dos dias comuns que constituem a vida das pessoas comuns, essas pessoas anônimas que trabalham e sofrem em silêncio, as pessoas que olham uma proclamação da República e não sabem exatamente o que está se passando, mesmo porque suas existências pouco mudarão.

Mas é exatamente por isso que o dia seguinte é importante. Uma importância diferente, mas não menor. O dia seguinte é o dia em que as pessoas devem se perguntar: o que, mesmo, aconteceu? O que se espera de mim agora? O que devo fazer?

Proclamações, leis, decretos dão uma parte da resposta, mas não a resposta toda. Trezentos anos após o primeiro grito republicano no Brasil, ainda estamos nos perguntando qual o melhor rumo para o país. E é bom que a gente se pergunte isso. Sem retórica, sem brados, sem frases que terminem em ponto de exclamação. O ponto de interrogação ainda é o sinal que melhor baliza o caminho da verdade.

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