Aqui voces encontrarão muitas figuras construídas em Fireworks, Flash MX, Swift 3D e outros aplicativos. Encontrarão, também, muitas crônicas de jornais diários, como as do Veríssimo, Martha Medeiros, Paulo Coelho, e de revistas semanais, como as da Veja, Isto É e Época. Espero que ele seja útil a você de alguma maneira, pois esta é uma das razões fundamentais dele existir.
sexta-feira, 26 de novembro de 2010
26 de novembro de 2010 | N° 16531
DAVID COIMBRA
O melhor amigo
Esse meu amigo tinha um cachorro. Não era cachorro de raça nem nada. Não passava de um vira-latinha malhado, o corpo todo manchado de preto e branco, a cara preta, só a ponta do focinho branca, assim como o contorno dos olhos. Parecia que usava óculos, aquele guaipequinha.
Meu amigo encontrou o cachorro na rua, ainda filhote. Afeiçoou-se a ele e levou-o para casa. Conviviam havia já mais de dois anos em seu pequeno apartamento. O cachorrinho era relativamente obediente e espaçosamente alegre, como em geral são os cachorrinhos.
Um dia, meu amigo encontrou uma namorada nas lides noturnas. Afeiçoou-se a ela e levou-a para casa também. Passaram a viver juntos, os três.
A mulher, porém, não gostava do cachorro. O apartamento ficava com cheiro de bicho e cheio de pelo, os latidos a incomodavam. Essas coisas que mulheres dizem de cachorros. Passaram-se meses, ela sempre reclamando, meu amigo sempre evitando o assunto. Adiando a solução. Quando o cachorrinho roeu as tiras da sandália preferida dela, ela deu um ultimato: ou ele ou eu!
Mais tarde, meu amigo confessou que, naquela hora, vacilou. Ela ou ele? Ela? Ou ele? Mas a disputa era entre um animal e um ser humano. Nesses casos, o humano quase sempre sai ganhando.
Ela ganhou.
Uma manhã, meu amigo, com o peito confrangido, o coração do tamanho de uma ervilha, a alma pesada, meu amigo colocou o cachorrinho no carro. Teria de livrar-se dele. O cachorrinho estava feliz. Gostava de passear de carro. Meteu o focinho branco para fora da janela e ficou sentindo os odores que passavam pela rua, sentindo o vento bater na cara preta e branca.
Meu amigo dirigiu até Canoas. Enveredou pelos bairros da cidade. Parou em um descampado. Desceu. Deu a volta no carro. Abriu a porta do carona. O cachorrinho pulou para fora, o rabo abanando, faceiro com a atenção que o dono lhe despendia. Meu amigo caminhou uns 30 metros. O cachorrinho o seguiu, como sempre. Meu amigo olhou para ele, pesaroso.
– Senta! – ordenou.
Ele obedeceu.
– Fica aí!
Ele obedeceu outra vez.
O cachorrinho ficou parado, enquanto ele voltava para o carro. Sentou-se atrás do volante. Arrancou. Antes de engatar a segunda marcha, parou. Olhou para trás. Viu, nos olhos do cachorrinho, a compreensão conformada, a lealdade triste. Os olhos do cachorrinho mostravam que ele sabia que seria traído. Que seria abandonado.
Como foi.
Meu amigo dirigiu uma quadra pensando naquele olhar. Então, num repente, se arrependeu. Pisou no freio. Fez o retorno, apressado. Voltou num tzin para seu companheiro. Ansiava por abraçá-lo e afagá-lo, por dar-lhe um osso novo, por pedir desculpas.
Mas não o encontrou mais. Rodou por mais de duas horas pelas imediações, e nada. Voltou para casa abatido, desencantado da vida. Até hoje ele lembra daquele olhar desapontado. Daquele olhar que expressava amizade, fidelidade e um coração partido. Até hoje ele sonha com seu cachorrinho.
A mulher continua morando no apartamento.
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