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terça-feira, 16 de setembro de 2008
Míriam Leitão - Panorama Econômico - O Globo - 16/9/2008
Crise sem fim
A crise ameaça se espalhar para outros países. Os bancos japoneses são os que mais emprestaram para o Lehman, e os de menor porte emprestaram mais. Os chineses têm centenas de bilhões de dólares em bancos americanos.
Os mercados europeu e americano têm operações comuns. Países emergentes terão mais dificuldade de se financiar, e o Brasil está com crescente déficit em transações correntes.
O que aconteceu neste fim de semana foi a chegada do olho do furacão a Wall Street. Reuniões nervosas e intermináveis, regadas a sanduíches das lanchonetes próximas ao prédio do Fed de Nova York, detalhes revelados minuto a minuto pela imprensa.
Tudo isso lembrava atormentados fins de semana que vivemos no Brasil na era dos planos econômicos e da crise bancária. Desta vez era lá: no mais poderoso centro financeiro do mundo.
O pior fim de semana de Wall Street começou na sexta-feira, quando o secretário do Tesouro, Henry Paulson, avisou que o Estado não entraria com dinheiro do contribuinte na operação Lehman Brothers.
Foi o primeiro "não" ouvido pelo mercado desde o começo da crise. Do pânico no fim de semana, o mercado foi para os tremores de ontem e ainda não há sinal de tempo bom à vista.
O Brasil não pode ficar achando que o país é invulnerável à crise. Nenhum país é. Nem precisa ter o pânico do contágio de primeiro grau, como os que tivemos no passado.
Nossa situação é melhor, mas as conexões da economia no mundo globalizado são inevitáveis. O crédito ficará mais curto, a aversão ao risco maior, as commodities sem gás para continuar com preços altos, as bolsas continuarão instáveis.
Um dos efeitos pode ser o déficit dos fundos de pensão, que têm um terço dos seus ativos em bolsa - os grandes têm mais. O secretário de Previdência Complementar, Ricardo Pena, me disse ontem que os fundos brasileiros continuam com superávit, apesar da queda da bolsa.
Empresas que investiriam nos países emergentes podem ter dificuldade de se financiar para tocar os investimentos; empresas brasileiras captando no exterior pagarão mais caro; o risco-Brasil subiu ontem 16% e a bolsa foi a que mais caiu, sem que tenhamos nada a ver diretamente com a crise.
Tudo isso torna mais difícil financiar o déficit em conta corrente que está crescente. Nada se parece com as crises do passado. Somos mais fortes, mas não imunes.
O pequeno investidor está amargando perdas grandes das suas aplicações em bolsa, e isso vai atrasar mais alguns anos a construção de um mercado de capitais realmente forte.
Há dois anos, a bolsa chegou a ser uma fonte de captação maior que o BNDES para as empresas, mas agora ela encolhe em valor de mercado, em rentabilidade, em movimento diário.
Os economistas acham que a recuperação dos últimos três dias, quando a bolsa subiu 8% acumulados, foi mal interpretada. Era apenas um ajuste. Ela continua com tendência negativa.
O Lehman enfrentou e venceu inúmeras crises financeiras e econômicas ao longo dos seus 158 anos de vida, entre elas a crise de 29.
O que o fez sucumbir agora foi exatamente uma prática que se espalhou por todas as instituições financeiras, de exposição em graus de risco cada vez maiores, longe dos olhos da fiscalização. Com os créditos cruzados do interbancário, quem é que pode dizer aonde a crise vai realmente parar?
No fim de semana da ajuda à Fannie Mae e à Freddie Mac, os telefonemas nervosos eram dados para Paulson pelas autoridades chinesas. A China tinha comprado quase meio trilhão de dólares de títulos das duas refinanciadoras imobiliárias.
Neste fim de semana, o do Lehman-Merrill Lynch, o nervosismo estava no Japão, onde os bancos médios são grandes credores do Lehman.
O Santander soltou nota dizendo que tinha US$15 milhões em ativos do Lehman e US$63 milhões em derivativos do banco. Micos estão em toda parte.
A operação de compra da Merrill Lynch tirou a bola da vez da fila de instituições em crise. A AIG, que procura dinheiro (US$40 bilhões) através de venda de ativos e captação através das subsidiárias, é a maior seguradora americana, suas ações caíram 50% ontem e, se ela entrar em colapso, a crise atinge outro mercado: o das seguradoras.
Nada é trivial nesta crise, nunca foi e é o que esta coluna tem dito desde o começo.
O Fed ampliou as facilidades para que as instituições acessem as linhas de redesconto, mas o Tesouro decidiu dar um basta ao socorro às instituições, porque sabe que o processo pode ser mais longo do que se imagina.
Depois do Lehman viriam outras instituições; depois, outros setores, outras indústrias. A indústria automobilística, por exemplo, segundo especulações da imprensa americana, estava na fila para pedir um socorro também.
Quanto mais extenso for o diâmetro do furacão, quanto mais instituições ele atingir com perdas ou quebras, mais longo será o tempo que a economia americana precisará para se recuperar. Bear Stearns e Lehman são instituições da mesma natureza. Uma foi resgatada e a outra, não.
Agora, o Tesouro tenta reforçar o dique que ameaça romper e estancar o que eles chamam de "moral hazard": a imprevidência de instituições financeiras que estavam confiantes que seriam resgatadas por serem "grandes demais para quebrar".
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