domingo, 21 de setembro de 2008



21 de setembro de 2008
N° 15733 - PAULO SANT’ANA


Retrocesso inacreditável

Onosso conterrâneo ministro da Defesa, Nelson Jobim, uma das pessoas mais respeitadas pela sua lucidez nesta República, teve uma lamentável recaída autoritária.

Nelson Jobim pregou na última semana, em plena CPI dos Grampos, na Câmara Federal, o fim de um instituto que é cláusula pétrea dos direitos humanos nos países mais adiantados em civilização: o direito dos jornalistas de não revelar as fontes de suas notícias.

Quando era parlamentar, Nelson Jobim perdeu a excelente oportunidade, como membro exponencial da Constituinte, de ter inserido em nossa Carta o fim do sigilo da fonte. Tivesse tido êxito, o Brasil teria derrubado uma das maiores garantias individuais entre as que sustentam a democracia.


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Na Constituição brasileira, no artigo 5º, inciso XIV, é resguardado o sigilo da fonte aos jornalistas, enquanto necessário ao exercício profissional.

Esta prerrogativa é tão essencial para o exercício jornalístico quanto é essencial para a democracia a existência da imprensa.

O ministro Nelson Jobim deveria ter em mente que, caso não houvesse o direito ao sigilo da fonte, não teria havido a denúncia da revista Veja de que a Agência Brasileira de Inteligência estava espionando por grampo telefônico o ministro presidente do Supremo Tribunal Federal, bisbilhotice que também atingia parlamentares do Senado.

Tenha ou não a Abin espionado dois poderes, o país ficaria sem saber da conversa gravada entre um senador e o presidente do Supremo, a grampolândia ficaria definitivamente incorporada aos costumes nacionais e os princípios da privacidade e intimidade dos cidadãos, como garantias individuais, seriam para sempre violados, com o que nos tornaríamos uma República de bananas, se não tivesse sido feita a denúncia pela revista Veja. E não teria chegado à revista Veja a denúncia se a fonte da notícia não fosse resguardada pelo sigilo.

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Engraçado, não intentou acabar com o sigilo da fonte o ministro Nelson Jobim quando se tornou talvez o mais expressivo parlamentar constituinte. Tinha expressão e prestígio suficientes para extinguir como constituinte o direito ao sigilo da fonte na atividade jornalística. Certamente não o fez porque, como parlamentar, não tolerava dotar a Constituição desse repulsivo instrumento antidemocrático. Bastou assumir um cargo governamental e está a pregar no recinto do Congresso o fim do sigilo da fonte, um autoritarismo condenável.

Se não me engano, é a segunda recaída autoritária do ministro e notável jurista Nelson Jobim. Foi com ele de ministro da

Justiça do governo Fernando Henrique que foi enviada ao Congresso Nacional a famosa Lei da Mordaça, que pretendia criminalizar declarações de promotores, procuradores e juízes a respeito de processos em que interviessem.

A nação inteira se voltou contra a Lei da Mordaça.

E agora, com certeza, grandes valores da nação se levantarão contra essa iniciativa infeliz do ministro Jobim.

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Considero-me amigo do ministro Nelson Jobim. Aproximou-me dele o ex-vice-presidente da RBS Fernando Ernesto Corrêa.

Nessa condição, prezando tanto a inteligência, a sensibilidade e o saber jurídico do ex-ministro do Supremo Nelson Jobim, sou capaz de garantir que ele já deve estar arrependido de ter preconizado o fim do sigilo da fonte e se redimirá em breve desse erro pedindo desculpas públicas pelo deslize discricionário.

Não pode vir de um democrata uma iniciativa tirânica. Retirar o direito ao sigilo da fonte equivaleria à monstruosidade constitucional de retirar a imunidade aos parlamentares por palavras e atos pertinentes ao exercício do seu mandato. Ou, no Direito Canônico, privar ou isentar os sacerdotes dos direitos e deveres relativos ao segredo confessional.

Eu quase não acreditei que o ministro Jobim tivesse adotado essa postura. Ele deve ter sido paciente desses raros momentos, já acontecidos comigo, em que nos acomete um lapso de razão e tisnamos inconscientemente nossa biografia.

Quase não posso acreditar, ministro, que o senhor tenha intentado isso.

E gostaria que me honrasse, enviando para esta coluna explicação ou justificação para tal desvario.

Sabe lá se não foi o ministro Jobim, quando constituinte, quem garantiu a inscrição na Constituição da garantia ao segredo da fonte. Sabe lá!

Por isso é que quase não acreditei.

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