quarta-feira, 24 de setembro de 2008


Artigo - Paulo Rabello de Castro - Folha de S. Paulo - 24/9/2008

FGTS de livre escolha: por que não?

Permitir o uso do FGTS na exploração do petróleo seria um bom começo na luta pela redenção do povo brasileiro

O QUE teria feito o presidente Lula rejeitar a iniciativa que mais capitalizou os detentores de FGTS, aplicados em ações de Petrobras e Vale?

O desmentido do Planalto ao que havia apurado a Folha, no domingo, põe o presidente em rota de colisão com suas próprias convicções. Não acredito que Lula desgoste da política tão bem-sucedida de aplicações livres no fundo social dos trabalhadores.

As razões da satisfação dos investidores do FGTS são cumulativas.

Nada como rentabilizar cada R$ 100 em aplicações, transformando-os em R$ 866. Foi a melhor aplicação de mercado no período desde 2000.

Ainda na semana passada, uma investidora entusiasmada me relatava que tinha conseguido pagar a entrada do seu apartamento por conta da grande valorização da sua aplicação no Fundo Mútuo de FGTS-Petrobras.

Mas há outras razões, como se sentir dono de uma parte do capital de grandes empresas brasileiras.

Quem não se orgulharia? Segundo cálculos, os detentores de FGTS aplicado na Petrobras são hoje 2,2% do capital da empresa. Ainda é pouco para dizer que a Petrobras é, de fato, de muitos brasileiros.

Mas é um começo, especialmente se somados à posição dos fundos de pensão, inclusive a Petros, dos funcionários da Petrobras, e outros minoritários.

O acesso de todos os brasileiros, sem exceção, ao capital empresarial brasileiro é a única maneira de passar a uma segunda fase no esforço de redução das diferenças de renda e riqueza em nosso país.

A RC Consultores projetou para a Abrapp quanto os brasileiros do "andar de baixo" (80% da população) poderiam passar a deter de capital tangível, através de aplicações numa previdência complementar de sua livre escolha, como o FGTS de livre escolha, se começássemos agora a acumular investimentos mensais de uma parte do FGTS e da previdência associativa em projetos como o pré-sal.

O resultado seria espetacular: o fundo dos trabalhadores alcançaria cerca de R$ 3 trilhões, a preços de hoje, em 2037.

E a participação desses 80% dos brasileiros na riqueza nacional saltaria dos 28% atuais para 45% de um patrimônio que pode chegar a R$ 100 trilhões em 2037. Essa seria a verdadeira revolução social prometida e sonhada por Lula.

Custa tentar? Há obstáculos políticos e falsos argumentos de toda ordem. FHC, na sua época, decidiu apoiar a idéia da participação dos trabalhadores na aquisição de "sobras" de Petrobras e Vale.

Mas, na última hora, a burocracia já estava dando um jeito de excluir o FGTS dos trabalhadores como moeda de aplicação.

Foi preciso apelar ao próprio FHC para não permitir fazerem o "closing" da operação de venda de Petrobras apenas em função dos interesses dos investidores de... Wall Street!

Assim somos nós: rápidos para alienar o que é nosso e hesitantes quando se trata de abrir portas e janelas ao acesso da massa da população brasileira ao patrimônio nacional.

Há outros argumentos contra o FGTS de livre escolha: "Faltará dinheiro para saneamento e habitações" (por quê?) ou "o brasileiro não sabe aplicar" ou ainda "o balanço da Caixa pode se desequilibrar", e por aí vamos, num rosário de contra-sensos.

O presidente Lula tem um compromisso histórico: devolver o Brasil aos brasileiros.

O FGTS, aplicado na exploração do petróleo e em outras empresas rentáveis, seria um belo começo nessa grande luta pela redenção econômica do povo brasileiro.

PAULO RABELLO DE CASTRO, 59, doutor em economia pela Universidade de Chicago (EUA), é vice-presidente do Instituto Atlântico e chairman da SR Rating, classificadora de riscos.

Preside também a RC Consultores, consultoria econômica, e o Conselho de Planejamento Estratégico da Fecomercio/SP. Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.

paulo@rcconsultores.com.br

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