segunda-feira, 22 de setembro de 2008



PAI, FUI ASSALTADA

Recebi um telefonema no último domingo. Não era a Ana Paula Arósio. Pressenti que não era. Por isso, embora decepcionado, atendi com meu tom mais neutro e elegante:
– Alô.
Respondeu uma voz de menina desesperada.
– Pai, fui assaltada.
– Não tenho filhos.
– Pai, pelo amor de Deus, fui assaltada.
– É engano, minha filha.
– Não estou enganada, não, pai. Acha que ia brincar com uma coisa tão séria? Fui assaltada mesmo. Levaram a minha bolsa com carteira e tudo, aquela vermelha que a mãe me deu no último Natal. Pegaram até o meu celular.
– Está falando de onde, filha?
– De um orelhão, pai.
– Não tem mais orelhão que funcione.
– Tive sorte, pai, achei um.
– Sorte? Não foste assaltada?
– Fui, pai. Que azar!
– Acredito. Quer dizer, não acredito...
– Pai, o senhor nunca sabe se acredita ou não.
– É verdade, creio. Como sabe disso?
– Sou sua filha.
– Não tenho filhos.
– Acha que estou mentindo, pai?
– Não sei. Mas não sou seu pai.
– Então por que me chamou de filha?
– Por hábito.
– Quer dizer que o senhor me chama de filha por hábito? Desde quando? Está querendo dizer que sou adotada?
O choro do outro lado da linha tornou-se convulsivo.
– Não a chamo de filha. Nem a conheço. Tenho hábito de chamar de filha moças que não são minhas filhas.
– Então o senhor tem filhas?
– Claro que não. Quem disse isso?
– O senhor.
– Pois não tenho. Chega de conversa fiada. Isso é golpe.
Desliguei. Que troço mais idiota e irritante. Menos de três minutos depois, o telefone tocou novamente.
– Alô.
– Quem é o meu pai então?
– Teu problema não era ter sido assaltada?
– Era.
– Já não é o suficiente?
– Agora é mais grave. Quem é o meu pai?
– Não faço a menor idéia.
– Ou não quer me dizer? Por que escondeu isso de mim?
– Escuta, filha, quanto quer para não me incomodar mais?
Ouvi um soluço. Desligou. Tentei ligar para ela. O número era desconhecido. Esperei cinco minutos. Tocou.
– Já perguntei quanto quer para me deixar em paz.
– Não quero dinheiro. Quero que me reconheça como filha.
– Não tenho filhos, filha.
– Então vamos fazer um DNA.
Desliguei o celular. Quem será o pai dela?

juremir@correiodopovo.com.br

Ótima segunda-feira ainda que com chuva e uma excelente semana

Nenhum comentário: