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segunda-feira, 15 de setembro de 2008
14 de setembro de 2008
N° 15726 - DAVID COIMBRA
O trabalhador mais criticado do mundo
Uma vez, em 97, passei três semanas em Lyon, na França, para cobrir um torneio do qual participava a Seleção Brasileira.
Foi divertido, porque Lyon se auto-intitula a capital gastronômica da França, o que significa ser a capital gastronômica do planeta. Oh, realmente, algumas das minhas refeições, ainda lembro delas com saudade e só consigo escrever a respeito pingando reticências nostálgicas no fim da frase: ...
Em Lyon eles têm um prato típico com salsichas, as salsichas lionesas são famosas. Também comi bouillabaisse, que é uma iguaria marselhesa feita com peixe e um molho delicado e tudo mais. Ah, e uns chocolates que até já escrevi a respeito deles, eram o paraíso derretido no céu da boca.
Enfim, isso foi muito proveitoso na minha viagem a Lyon. Mas o trabalho era um tédio. Porque tinha de observar os treinos dados por Zagallo. Que nem eram bem treinos.
Os jogadores iam lá para o campo, brincavam de bobinho, de acertar chutes no travessão, organizavam um rachão e pronto. Trabalho encerrado. Nunca via Zagallo dando uma orientação tática ou testando um esquema novo, algo assim.
Agora: nenhum jornalista pode se queixar do Velho Lobo. Zagallo jamais se negou a responder uma pergunta, e sempre o fez com boa educação e respeito, e mesmo quando a pergunta era repetida pela eternidade, por cem repórteres de rádio, ele respondia com cordialidade e paciência. Assim era Zagallo no comando da Seleção.
Depois de Zagallo, o treinador foi Luxemburgo. Esse dava treino. Esse tinha uma idéia clara do que queria do seu time. Luxemburgo é muito atento.
Por três vezes o vi fazer algo espantoso: os jogadores estavam no campo, jogando bola, e de repente ele soprava o seu apito, parava tudo. O que foi? O que foi? Luxemburgo apontava para alguém lá em cima, na arquibancada:
– Quem é aquele cara? – gritava. E ele mesmo respondia: – É um espião! Peguem aquele espião!
E os esbirros do Luxemburgo subiam a arquibancada e pegavam o cara, e não é que ele de fato era um espião???
Que olho, o do Luxemburgo!
O que o Luxemburgo tinha de ruim era uma estratégia que usava nas entrevistas coletivas: a primeira pergunta ele respondia normalmente. A segunda, aí sim, ele dava uma resposta agressiva ao repórter. Podia ser qualquer questão, a resposta sempre era grosseira. Os repórteres ficavam constrangidos.
Só que, na terceira pergunta, a resposta era macia, o Luxemburgo fazia uma gracinha qualquer. E os repórteres riam, aliviados porque o clima voltara a ficar ameno. Isso lhe garantia perguntinhas suaves pelo resto da entrevista.
Um dia, estava no saguão do hotel da Seleção em Foz do Iguaçu, e o Luxemburgo desceu de seu quarto e sentou-se para conversar comigo:
– E aí, gaúcho?
Vestia calça de abrigo, sapatos mocassim e camiseta. Mascava um palito no canto da boca, devia ter jantado havia pouco. Aproveitei sua disposição amistosa e falei sobre aquela tática de entrevistas coletivas que ele tinha.
– Isso é ensaiado, não é? – perguntei.
Ele balançou a cabeça:
– É científico. Orientação dos meus assessores.
O Luiz Felipe não era tão científico, mas ainda estou para ver técnico que desse mais orientação aos seus jogadores do que ele. O Luiz Felipe cometia façanhas inauditas no comando da Seleção: a estrelona Ronaldo Nazário, por exemplo.
Luiz Felipe o pegava pelo braço e o arrastava até o ponto exato da intermediária em que desejava que ele estivesse durante o jogo.
– É aqui que quero que tu fiques! – dizia Luiz Felipe com ênfase gaudéria, fincando Ronaldo no gramado.
O jogador sacudia a cabeça em compreensão:
– Sim, sim...
Era assim com todos. Ensinava os astros milionários da Seleção Brasileira a jogar bola!!! E os jogadores, longe de se revoltar com isso, ouviam-no com atenção e obedeciam como se fossem juniores. Sabiam que ia funcionar. Luiz Felipe tem credibilidade.
Outra: Luiz Felipe abriu a Seleção. Permitia que os jogadores saíssem pelo hotel e pela cidade, que conversassem com quem bem entendessem, que dessem todas as entrevistas que decidissem dar.
– Eles precisam sentir a pressão – explicava.
Mas os escrúpulos de Luiz Felipe se flexibilizam quando ele está trabalhando pela vitória do seu time. No dia em que o Grêmio contratou Paulo Nunes e Magno do Flamengo, Luiz Felipe disse para o Serginho Villar, aqui do Esporte, que não queria Paulo Nunes:
– É muito magrinho – avaliou. – Não vai parar em pé.
O Serginho publicou a declaração de Luiz Felipe, como era sua obrigação. A repercussão não foi nada positiva, evidentemente. Tanto que Luiz Felipe negou ter dito o que disse e acusou o repórter de má-fé.
O tempo passou, como de hábito. Anos depois, Luiz Felipe contou a história da contratação de Paulo Nunes e, rindo, admitiu que fizera a tal avaliação. Ou seja: para ele pouco importava a reputação ou o emprego do jornalista. Importava era o seu próprio trabalho.
Também convivi com Leão e Parreira na Seleção. Leão, nossa!, poucas vezes encontrei um homem com tantas certezas como Leão. Seu nível de autoconfiança é tão elevado, ele se ama com tamanha intensidade, que sobra pouco espaço para quem está por perto.
Parreira nem tanto. Parreira é mais silencioso. Só que, na Copa de 2006, ele parecia não ter energia suficiente para lidar com as vontades tantas das estrelas nababas do Brasil.
Ainda assim, sempre foi um homem cordato e educado. Parreira é um homem com quem se pode falar de algo além de futebol.
Cada um com seus defeitos e suas qualidades, portanto. Fico pensando o quanto Dunga terá de uns e outras para chegar à situação em que chegou.
Não encontro uma única pessoa que defenda Dunga como técnico da Seleção. Uma impressionante unanimidade negativa. Mas qualidades ele tem. Tem que ter. Tinha de mostrá-las.
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