sábado, 27 de setembro de 2008



27 de setembro de 2008
N° 15741 - CLÁUDIA LAITANO


O fim do mundo como o conhecemos

Charlton Heston e a bela (e muda) Linda Harrison cavalgam lentamente junto ao mar. Confiantes e com pouca roupa, os dois parecem se encaminhar para um final mais ou menos feliz – os gorilões mal-encarados ficaram para trás, e o futuro, incerto (e qual não é?), é deles para construir.

A praia é linda, o sol é suave, e o casal exala sensualidade e vigor, mas a trilha sonora soturna sugere que algo de muito sinistro pode acontecer a qualquer momento.

A surpresa vem na forma de uma sombra gigantesca que se projeta sobre a praia. Quando a câmera se aproxima, as pontas de uma coroa muito familiar começam a se insinuar. Vemos Charlton Heston descer do cavalo e cair de joelhos, incrédulo e desesperado, sobre a areia.

A verdade finalmente fica evidente: ele não está em um planeta esquisito comandado por macacos que falam, mas sim em uma Terra devastada e irreconhecível – onde tudo o que resta da civilização que ele um dia conheceu é um pedaço da Estátua da Liberdade fincado na beira do mar.

O Planeta dos Macacos (1968) não entra em nenhuma lista dos melhores filmes de todos os tempos – nem sequer é o melhor do ano, já que estreou na mesma época que 2001, de Stanley Kubrick, este sim um clássico indiscutível da ficção científica.

Mesmo assim, o impacto daquela cena final permanece na memória de muita gente, assim como as palavras de Charlton Heston, especialmente macabras naqueles tempos de Guerra Fria: “Seus maníacos, vocês explodiram com tudo. Malditos sejam!”.

(Curiosamente, Charlton Heston morreria identificado com a direita mais brucutu dos Estados Unidos, aquela formada por “maníacos” bem capazes de explodir com tudo, inclusive a Estátua da Liberdade.)

Por coincidência – ou por uma cíclica vibe catastrófica, alimentada, na nossa época, por desastres ecológicos, terrorismo e aceleradores de partículas – 2008 registrou uma safra especialmente generosa de grandes produções inspiradas pela idéia do fim dos tempos.

Na aventura Eu Sou a Lenda, Will Smith é o único sobrevivente de uma peste que teve origem na manipulação biológica de um bichinho microscópico qualquer.

O suspense de terror O Nevoeiro, baseado em um livro de Stephen King, mostra um grupo de pessoas presas em um supermercado em uma cidade aparentemente arrasada por monstros misteriosos.

E nem mesmo as crianças escaparam: a adorável animação Wall-e flagra um robozinho catador de lixo isolado em um planeta destruído pelo consumismo e pelo desrespeito à natureza.

Ensaio sobre a Cegueira, adaptação do diretor Fernando Meirelles para o livro de José Saramago, também pode ser incluído nessa lista. Aqui não foi o planeta que colapsou, mas o verniz que cobre a superfície das relações humanas.

Diante de um episódio nunca inexplicado, uma epidemia de cegueira, homens e mulheres são reduzidos rapidamente a seus instintos mais básicos.

Trata-se de um filme extremamente sombrio – apesar de todos os excessos de branco explorados dramaticamente pela fotografia de César Charlone.

Se Charlton Heston espantava-se com a extensão da imbecilidade dos homens, capazes de levar a guerra ao ponto da destruição total, Julianne Moore passa boa parte do filme perplexa com a extrema fragilidade daquilo que a humanidade considera sua maior contribuição ao planeta: a civilização como a conhecemos.

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