sábado, 27 de setembro de 2008



Paula Neiva e Roberta de Abreu Lima - Lew Robertson/Corbis/Latinstock

Já sobrou para a lagosta

Queda no consumo do crustáceo é sinal de que a próxima vítima pode ser o mercado de luxo

A preço de picanha

A crise econômica fez com que os americanos passassem a consumir menos lagosta. O aumento da oferta derrubou o preço da iguaria nos Estados Unidos em 25%.

No Brasil, que exporta 85% de sua produção para os EUA, o preço caiu pela metade – nos supermercados brasileiros, compra-se lagosta a preço de carne de primeira

Ainda não se sabe ao certo como a crise financeira nos Estados Unidos vai afetar o Brasil, mas pelo menos um benefício ela trouxe aos apreciadores da boa mesa – o preço da lagosta caiu pela metade nos supermercados brasileiros. Já é possível comprá-la pelo mesmo valor da picanha ou outra carne de primeira.

A explicação para isso está nos mecanismos do mercado. Diante da turbulência na economia, os americanos têm contido os gastos com produtos caros e supérfluos, como a lagosta.

A demanda em baixa fez com que seu preço despencasse 25% nos EUA desde o início do ano. O país passou a importar menos o pescado e a pagar menos por ele. O Brasil costuma exportar para os Estados Unidos 85% de sua produção de lagosta.

Com a retração dos importadores americanos, os produtores brasileiros começaram a direcionar maior quantidade do produto para o consumo interno. Resultado: o crustáceo ficou mais acessível também no Brasil.

"A lagosta é um alimento de celebração, consumido em ocasiões especiais. Se a economia vai mal, as pessoas deixam de comprá-la", disse a VEJA Bob Bayer, diretor do Instituto da Lagosta da Universidade de Maine.

Peter Kramer/AP


A crise das bolsas

Quinta Avenida, em Nova York: algumas das lojas mais caras da cidade anteciparam as liquidações

Se o que acontece com a lagosta se estender a outros produtos caros, a próxima vítima da crise deverá ser o mercado de luxo, aquele nicho de roupas, veículos e objetos pessoais que custam uma fábula, mas têm um público fiel que não se importa em sacar do cartão de crédito seja qual for o valor estampado na etiqueta.

Desde o início da década, após amargar uma retração passageira com os atentados de 11 de setembro, o mercado de luxo vem crescendo à razão de 15% ao ano.

De modo geral, o segmento é considerado um dos menos vulneráveis às trepidações da economia. Agora, começam a soprar os primeiros ventos de que a crise pode atingi-lo em cheio.

Lojas de Nova York especializadas em artigos de luxo, como a Saks Fifth Avenue e a Neiman Marcus, vêem seu faturamento aumentar a ritmo mais lento. No caso dessa última, as vendas no primeiro semestre deste ano não aumentaram em comparação com o mesmo período do ano passado.

Outra rede do gênero, a Nordstrom, teve faturamento 6% menor nos primeiros quatro meses de 2008 com relação ao mesmo período de 2007. Muitas delas anteciparam as liquidações de fim de estação deste ano.

Spencer Platt/AFP


Baixa velocidade

Feira de carros luxuosos montada em Manhattan: a venda dos modelos mais caros encolheu 10% nos EUA neste ano

Os primeiros clientes a fugir das lojas que vendem artigos de luxo não são os milionários, mas aqueles que podem comprar um ou outro objeto de desejo.

Na joalheria Tiffany & Co., celebrizada no filme Bonequinha de Luxo, a queda mais acentuada nas vendas ocorreu com as jóias que custam até 10 000 dólares.

O comércio de alianças de 50 000 dólares ou mais continua estável. O mercado de carros de luxo nos Estados Unidos, por sua vez, encolheu 10% entre janeiro e agosto deste ano em comparação com o mesmo período do ano passado.

A BMW projeta vender nos EUA, neste ano, 40 000 veículos a menos do que o inicialmente previsto. Segundo os analistas de mercado, embora a crise ainda não tenha afetado os produtos destinados aos muito ricos, pode ser questão de tempo para que isso aconteça.

"Esses consumidores geralmente são imunes às crises, mas desta vez seus investimentos podem estar ameaçados, e isso os deixa duplamente alertas", disse a VEJA o consultor americano Edward Henderson, especialista no setor de varejo da agência internacional de avaliação de risco Moody’s.

Divulgação


Vão-se os anéis

Jóia da Tiffany: alianças de até 10 000 dólares estão encalhadas

À medida que se espalham pelo mundo, os reflexos da crise americana forçam os consumidores a mudar de hábitos. Na França, 3.000 restaurantes fecharam as portas nos primeiros quatro meses deste ano – no mesmo período, as redes de fast-food triplicaram suas vendas.

Segundo os sindicatos que representam esses estabelecimentos, os hábitos dos clientes à mesa também se tornaram mais frugais, de modo a diminuir o valor da conta ao fim da refeição. No caso do mercado de artigos de luxo, a crise que se avizinha no Primeiro Mundo pode ser benéfica para o Brasil, e não apenas por baratear o preço da lagosta.

Diz o empresário Carlos Ferreirinha, consultor especializado em mercado de luxo: "A prioridade dos grandes conglomerados desse segmento sempre foram os mercados americano e japonês.

Agora, para se estabilizar, eles contam também com os mercados emergentes, como a China e o Brasil. Isso poderá trazer mais investimentos para o país nos próximos anos".

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