quarta-feira, 24 de setembro de 2008



24 de setembro de 2008
N° 15737 - MARTHA MEDEIROS


Os créditos finais

A gente pode catalogar as pessoas através de vários critérios.

Uma vez a jornalista Monica Waldvogel disse que classifica a população em dois grupos: os que estacionam seu carro na primeira vaga que aparece, mesmo que esteja a cem metros do local onde se deseja ir, e aqueles que vão até a frente do local, certos de que conseguirão uma vaga bem ali – e conseguem.

Claro que isso diz muito sobre a determinação, o positivismo e a autoconfiança de alguém.

E eu, como demarcaria as fronteiras entre os grupos? Fui ao cinema esta semana e cheguei à conclusão de que também existem duas espécies bem distintas: as que levantam da poltrona assim que o filme acaba e aquelas que ficam sentadas lendo todos os créditos finais, e só então deixam a sala.

Não existe, claramente, um julgamento maniqueísta entre os dois grupos da Monica. Os que estacionam na primeira vaga que surge podem ser considerados precavidos, responsáveis, planejados.

E os que arriscam e vão com o carro até a frente do local onde desejam ir podem ser considerados ousados, seguros, otimistas. Nos dois casos, o juízo de valor é positivo.

Mas, no caso dos créditos finais dos filmes, não é bem assim.

Os que saem no momento em que o filme acaba demonstram não ter o menor interesse pela ficha técnica, não estão nem aí para o trabalho que cada profissional teve para que aquele filme ficasse bacana do jeito que ficou.

Não faz a menor diferença o nome dos dublês, ou dos figurantes, ou o playlist da trilha sonora.

Quem sai imediatamente do cinema é apressado, não quer perder tempo. Curtiu o filme e agora não vê a hora de buscar o carro no estacionamento e ir jantar, ou voltar pra casa.

Não é exatamente um pecador, uma pessoa de má índole – de jeito nenhum. Mas é diferente daquele que esperou mais cinco minutos dentro da sala.

Quem fica sentado vendo os créditos finais é uma pessoa, antes de tudo, calma. Ulalá, será que isso ainda existe, pessoas calmas? Ela não está aflita pra sair do estado de encantamento que o filme provocou.

E tem uma curiosidade quase infantil de enxergar por trás das cortinas, espiar os bastidores, saber o nome daquele anônimo que fez papel de guarda de trânsito, ou o nome daquela loirinha que fez uma ponta como garçonete.

E será que aquele ator que fez uma rápida aparição de três minutos é mesmo quem se está pensando? Basta aguardar os créditos e conferir.

E tem mais: quem espera os créditos sabe que pode haver uma recompensa. Alguma cena reveladora lá no finalzinho dos créditos. Ou cenas do making of. Tem acontecido muito isso.

Eu fui assistir recentemente Quando Estou Amando, filme francês com o estupendo Gerard Depardieu e a gracinha Cécile de France e, aviso, não se deve sair antes dos créditos finais. Mas achei o filme tão arrastado que saí.

Pois é. Se pareceu que eu iria me classificar como uma boa criatura que espera as luzes se acenderem, foi só impressão. Estou no grupo dos que se mandam assim que o filme acaba. Lembro de apenas dois filmes que me prenderam na cadeira após o término:

Magnólia e Fale com Ela, e isso porque eu estava impressionada demais para conseguir me mover. Não foi por curiosidade com a ficha técnica, e sim porque uma avalanche emocional me deteve.

Na maioria das vezes, escapulo assim que termina a última cena. Eu sei, ansiedade é um defeito. Mas digo, em meu favor, que sou do tipo que dirige o carro até bem em frente onde pretendo ir e, miraculosamente, consigo vaga.

Portanto, sou uma otimista: defeitos podem ser corrigidos.

Ótima quarta-feira, especialmente a você.

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