quinta-feira, 25 de setembro de 2008



CHURRASCO E CHIMARRÃO

Em Palomas, todo homem usava bombacha. Nada mais óbvio. Mais banal do que isso, só a mania de dizer 'bueno'.

Na hora de ir embora ou terminar uma conversa, era 'bueno'. Até em enterro se dizia 'bueno, vamos baixar o caixão'. Falava-se um portunhol colorido.

Volta e meia, alguém trocava pergunta por 'pregunta'. Ferro de passar roupa era 'plancha'. Salvo no caso daqueles ferros antigos, uns pretos enormes, pesados, de abrir e colocar carvão dentro.

Quando vim para Porto Alegre, no bairro Sarandi, pedi uma 'plancha' emprestada à vizinha e ela respondeu que ninguém era surfista por lá. Algumas coisas não existiam em Palomas. Por exemplo, pizza. Lá só havia torta napolitana. Em dia de festa. Era um baita luxo.

Curiosamente, foi em Palomas, numas carreiras de 'cancha' reta, que eu vi pela primeira vez, e a vila inteira também, uma guria de minissaia. Foi um alvoroço total. Os cavalos, como se dizia no jargão dos carreiristas, 'se abriram' com o alarme. Quer dizer, saíram do trilho, desviaram-se da 'cancha'.

Nunca esqueci aquelas pernas morenas, quase tão impressionantes quanto as coxas da dona Eulália, professorinha (era baixinha e com jeito de boneca) da Escola Rodolfo Costa, que fazia sonhar a gurizada mais taluda e até piás de 6 anos como eu.

'Cancha', aliás, era como se chamava também o campo de futebol. Um dos narradores de futebol de Santana do Livramento, muito popular na região, tinha um bordão maravilhoso: 'O balão de couro subiu, subiu, subiu, enquanto ele desce, eu fumo um cigarro'. Hoje, não seria politicamente correto.

Claro que naquelas carreiras em que a minissaia roubou a tarde um gaudério impulsivo não se impediu de soltar a exclamação fatal: 'Que potranca!'. Com todo o respeito, claro, pois era festa de família.

Toda essa conversa, no entanto, para falar de palavras. Alguns termos só existiam para mim em Palomas, ou seja, na região da campanha. Um deles justamente era 'termo', também conhecido, entre os mais afetados, por garrafa térmica.

Usava-se japona ou campeira. Ninguém dizia jaqueta. Nem de couro. Tomei choque ao vir morar na cidade grande. Descobri palavras que nunca ouvira nem em Palomas nem na Florentina, lugares onde passei a minha infância e muitas férias de adolescente.

Na primeira vez em que retornei a Livramento, no verão, com o cabelo lá na cintura, orgulhoso da minha condição de estudante universitário e com uma bolsa cheia de livros marxistas, inclusive um exemplar do 'Manifesto Comunista', meu pai ficou um pouco aborrecido.

Meu avô não deu bola. Resmungou que era coisa de 'guri novo, guri se metendo de pato a ganso'.

Mas ficou muito brabo quando me ouviu falar palavras inexistentes no dicionário de Palomas: – O senhor ainda toma chimarrão de manhã e de tarde, vô? – Chimarrão? Hummm...

– É, vô, chimarrão. Em Porto Alegre, o pessoal gosta muito de chimarrão e de churrasco no tal de espeto corrido. – Churrasco? Hummm... – Isso, vô, churrasco.

– Deixa de frescurada, guri, toma jeito. Que 'bobajada' é essa agora? Porto Alegre está te estragando a cachola? Eu tomo é mate e como um assado, che. Churrasco e chimarrão, ora essa, isso é palavrório de gente da cidade.

juremir@correiodopovo.com.br

Ótima quinta-feira - Aproveite o dia

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