segunda-feira, 29 de setembro de 2008



MACHADO DA SILVA

Não sejam precipitados. O título aí acima não se refere a mim. Mas a uma mistura que vai incomodar alguns: Machado de Assis mais Luiz Inácio Lula da Silva.

Há cem anos, em 29 de setembro de 1908, morria o escritor Machado de Assis, fundador da Academia Brasileira de Letras e autor de obras-primas como 'Dom Casmurro'.

Filho de um pintor de paredes, o mulato Machado de Assis foi o Luiz Inácio da literatura brasileira. Praticamente sem educação formal continuada, por ser pobre e precisar trabalhar desde cedo, Machado venceu todos os obstáculos e chegou ao topo.

Ele e Luiz Inácio representam, certamente, os dois maiores exemplos de superação da história do Brasil. Venceram preconceitos e regras. Chegaram aonde não se esperava. Frustraram expectativas.

Há dois Machado assim como há dois Luiz Inácio. O primeiro Machado, romântico, foi um chato, um escritor medíocre. O primeiro Luiz Inácio também foi um chato romântico, embora, como sindicalista, tenha sabido pavimentar o seu caminho rumo ao alto.

O segundo Machado, realista, é um gênio da ironia e da crítica social. O segundo Luiz Inácio também é um realista, menos irônico, mas campeão da metáfora popular e do pragmatismo. Pode ser descrito como um gênio da política.

Machado teve seus deslizes assim como Luiz Inácio. O mulato, descendente de escravos alforriados, parecia não saber de nada sobre a questão da escravidão. Optou pelo silêncio estratégico nos seus espaços de imprensa ou por estocadas transversais e sinuosas nos seus livros ácidos.

Luiz Inácio também nunca sabe grande coisa sobre a corrupção que tem cercado o seu governo. Instinto de sobrevivência, astúcia e necessidade de legitimação unem os dois.

Que posso fazer? O maior exemplo de superação literária do Brasil é um Machado. O maior exemplo de superação política é um Silva. Nós, os Machado da Silva, estamos com tudo. Podemos até gozar com o chapéu alheio.

A elite brasileira foi melhor em ditadores ou em artistas conservadores. Aleijadinho, certamente o maior artista plástico que o Brasil já teve, era um mulato miserável.

Machado foi, porém, um delicioso pessimista. Luiz Inácio esbanja otimismo. Nunca na história deste país se teve um escritor como Machado, capaz de ter sido tão bom e tão ruim em fases bastante próximas.

Quase sempre na história deste país se teve políticos dispostos a fazer alianças antes condenadas, mas nenhum como Luiz Inácio, um retirante nordestino que ainda não fez pior que os doutores da Sorbonne.

Machado o tomaria certamente como personagem. Luiz Inácio é mais conhecido do que Machado no mundo inteiro. Afinal, faz parte da era da mídia.

Machado era cético. Luiz Inácio é um tanto cínico. Todo cético, no entanto, tem algo de cínico.

Mais da metade da obra de Machado só tem valor histórico. Serve para apavorar adolescentes. A parte que conta, porém, é soberba. E a obra de Luiz Inácio? Mesmo sem nenhuma obra-prima, está confundindo a crítica.

Afinal, é ruim ou boa? Vai ficar ou não? A principal obra de Luiz Inácio talvez seja o seu percurso. Como Machado, ele chegou lá. Mais do que isso, chegou e ficou. Eu mesmo me confundo. Vou da decepção ao encantamento.

Com Machado sempre vem a pergunta: Capitu traiu ou não traiu? Com Luiz Inácio não é diferente: traiu ou não traiu? Sabia ou não sabia? A verdade é que, com Machado e Luiz Inácio, a maioria dos (e)leitores mostra-se bastante satisfeita.

juremir@correiodopovo.com.br

Uma ótima segunda-feira e uma excelente semana.

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