terça-feira, 23 de setembro de 2008



23 de setembro de 2008
N° 15735 - CLÁUDIO MORENO


Noite e dia

Em sua lendária viagem pelo Egito, Heródoto ficou impressionado com o tamanho colossal da esfinge e das três pirâmides pousadas na vasta planície de Gizé, mas não deixou de registrar a pequenez de Quéops e Quéfren, os faraós que construíram as duas pirâmides maiores.

O primeiro foi governante brutal e sanguinário, que fechou os templos e pôs todo o Egito a trabalhar para ele; o segundo tentou igualar a obra do irmão, mas o país estava esgotado e ele teve de se contentar com uma pirâmide mais baixa. O povo não os esqueceu, e os amaldiçoava sempre que ouvia seus nomes.

Sobre o terceiro, no entanto, Heródoto pousa um olhar interessado. Miquerinos, filho de Quéfren, não aprovava os atos do pai; por isso, ao assumir o trono, tratou de reabrir os templos e devolver a prosperidade ao sofrido povo do Egito.

A pirâmide que começou a construir – em grande parte com recursos próprios – era menor do que as outras e só pôde ser concluída por obra de seu sucessor. Heródoto testemunha que nunca houve, em tempo algum, governante que fosse mais respeitado pelo povo.

Era natural, portanto, que Miquerinos ficasse surpreso quando vieram avisá-lo de que os deuses só lhe davam mais seis anos para viver.

Inconformado, o faraó protestou junto ao oráculo: se o pai e o tio, odiados por todos, tinham aproveitado a vida até a última gota, por que ele, bondoso e magnânimo, deveria ser punido?

Por isso mesmo, foi a resposta do oráculo. Os deuses tinham condenado o Egito a 150 anos de sofrimento; Quéops e Quéfren tinham colaborado com sua quota, mas ele estava estragando tudo...

Vendo-se condenado, Miquerinos então decidiu viver o dobro – 12 anos – nos míseros seis que lhe restavam, e ordenou que acendessem, todas as noites, milhares de tochas em seu palácio.

Dessa forma, criava um novo dia para desfrutar, enchendo cada minuto com música e prazer, e fruindo, como um raro licor, a brisa perfumada dos bosques nas margens do Nilo, acompanhado de sua mulher, que até hoje aparece, nas estátuas encontradas em seu túmulo, abraçando-o pela cintura.

Apesar dessa eterna festa, sentia que os dias e as horas fugiam por entre seus dedos como a areia de uma ampulheta – e quantas vezes, ao caminhar pelos jardins do palácio, não deve ter ouvido o vento sussurrar, por entre as folhas das palmeiras, o aviso de que seu fim estava próximo?

Morreu seis anos depois, sentindo-se vítima dos deuses, clamando contra a injustiça desse prazo tão curto que lhe tinham concedido, sem saber que, mesmo que lhe dessem mais cem ou 200 anos para viver, haveria de lamentar, como todos nós, quando chegasse a hora do derradeiro pôr-do-sol.

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