sábado, 20 de setembro de 2008



20 de setembro de 2008
N° 15732 - NILSON SOUZA


O piazinho

O ladrão de Passo Fundo roubou a cena esta semana. Depois de furtar um carro na madrugada do Planalto Médio e de rodar alguns quilômetros com o veículo, o homem se deu conta de que havia um menino de cinco anos dormindo no banco de trás.

Ficou furioso. Ligou para a polícia, confessou o crime, comunicou a localização do carro e excomungou o proprietário pela irresponsabilidade de ter deixado uma criança só e desprotegida.

– Eu vou ser bem sincero – disse o amigo do alheio para o policial. – Eu roubei um carro e não vi que tinha um piazinho dentro.

E, na seqüência, mandou um recado ameaçador para o descuidado cidadão:

– Da próxima vez que eu pegar esse auto e estiver o piá lá, eu vou matar ele.

Referia-se ao dono, não ao menino. Quem ouve a gravação da inusitada ocorrência percebe que o meliante refere-se à criança até com certo carinho.

“Piazinho”, diz ele, usando uma expressão bem nossa e bem adequada a estes dias em que celebramos a guerra que nossos antepassados promoveram contra o Brasil imperial.

Fomos derrotados, é verdade, mas conquistamos uma identidade própria que ninguém mais nos tira. E, em bom gauchês, piazinho é mais do que um tratamento descompromissado. Tem um quê de afetividade.

Em sua origem, contam os estudiosos do nosso dialeto, o termo faz parte de uma expressão de ternura com que as índias guaranis tratavam os filhos e as crianças em geral.

Piazinho virou piazito, na conhecida canção campeira que fala do menino condutor de carretas. “Piazito carreteiro, do cusco amigo e companheiro, que nunca teve infância, pois não pôde ser criança porque a vida não deixou”.

E ainda não deixa para muitos deles, seja nos rincões profundos da campanha, seja nas periferias miseráveis das grandes cidades.

Muitas vezes, nossos negligenciados piás sequer têm direito a um sono tranqüilo na madrugada de suas vidas. Mas não ficam completamente desamparados.

Nos momentos difíceis, como acaba de comprovar esta fantástica fábula dos tempos modernos, sempre aparece um Anjo da Guarda Farrapo para vigiar-lhes os sonhos e para arrancar da garganta de seus improváveis algozes expressões surpreendentes como esta:

– Tem um piazinho dormindo no banco de trás!

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