sábado, 13 de setembro de 2008



14 de setembro de 2008
N° 15726 - MOACYR SCLIAR


Interpretando as mensagens de nosso corpo

Tempos atrás, fazendo uma pesquisa sobre a história da melancolia, encontrei num velho livro de psiquiatria uma expressão tão intrigante quanto fascinante: “ômega melancólico”.

Trata-se de uma ruga, em forma de ômega (aquela letra grega que lembra uma ferradura), que aparece na testa das pessoas melancólicas.

Por uma simbólica coincidência, o ômega é a última letra do alfabeto grego e é usado para designar o fim das coisas, assim como o alfa, a primeira letra, é o começo. Ora, para muitas pessoas a melancolia é mesmo o fim da picada, ou elas assim o sentem.

O ômega melancólico é uma mensagem que, como a marca de Caim (também na testa), e obedecendo a mecanismos semelhantes – a culpa desempenha aí um papel fundamental – nos lembra que o nosso rosto muitas vezes funciona como uma tela: nele se projetam os sinais de nossos problemas emocionais.

Desses sinais tomamos conhecimento através daquele inquietante objeto, o espelho.

Que, para nosso desgosto, não mente. Durante muito tempo, o espelho pôde garantir à malvada rainha que não havia no mundo mulher mais bela. Mas então surge Branca de Neve, e o espelho, por dizer a verdade, teve de agüentar a cólera da soberana.

A idéia de mudar nossa aparência externa é bem mais antiga do que se pensa, garante-nos Sander Gilman, professor de biologia humana na Universidade de Chicago. Em Making the Body Beautiful (Tornando o Corpo Belo), ele nos fala da já longa história da cirurgia plástica, detendo-se sobretudo no nariz.

No começo da modernidade, aí pelo século 16, toda a Europa caiu na gandaia, sexual, inclusive: como resultado, a sífilis tornou-se muito comum. Ora, freqüentemente, as lesões sifilíticas localizavam-se no nariz deformando-o e denunciando uma doença no mínimo embaraçosa.

Surgiram então operações para corrigir este problema. Depois, já não se tratava de arrumar um nariz deformado, mas de melhorar a aparência. Ou, e este é um aspecto mais sombrio, de corrigir supostos estigmas raciais.

O nazista Joseph Mengele, que era médico, tratava de “arianizar” os olhos de prisioneiros de campos de concentração injetando neles corantes azuis, um procedimento tão bárbaro quanto idiota.

Exageros à parte, o âmbito da cirurgia plástica estendeu-se extraordinariamente, e o Brasil tornou-se um centro internacionalmente conhecido nesta área, que não pára de crescer.

Arremata Gilman: “No ano 2020, ninguém perguntará se você fez plástica, perguntarão por que você ainda não fez plástica”.

Tudo bem, a pessoa não é obrigada a conviver com uma cicatriz, um defeito ou um traço facial que a desgostam.

Mas não seria o caso, também, de aprendermos a ler as mensagens de nosso corpo? O ômega melancólico é um sinal de sofrimento psicológico. Por que estamos sofrendo?

Qual a causa de nossa melancolia? Não deveríamos procurar ajuda para isso? E, antes de fazer a lipoaspiração: por que temos esse excesso de gordura? Será que estamos nos alimentando de forma correta?

Por último, temos de nos perguntar até que ponto somos influenciados pelas injunções culturais, o que vale sobretudo para o tamanho do bumbum e dos seios.

O silicone funciona aí como uma espécie de passaporte para que a pessoa se sinta aceita e gratificada.

“Pessoas que se sentem bem consigo mesmas não devem fazer plástica nenhuma.” Quem disse essa frase, numa entrevista à Veja, foi ninguém menos do que o grande expoente da cirurgia plástica no Brasil, Ivo Pitanguy.

Depois de 60 mil cirurgias ele seguramente sabe do que está falando.

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