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sábado, 27 de setembro de 2008
28 de setembro de 2008
N° 15742 - VERISSIMO
Mais bondes
No outro dia ensaiei uma incursão arqueológica ao passado, escrevendo sobre o tempo dos bondes, e sem querer perfurei um veio de saudades. Muita gente manifestou as mesmas lembranças afetuosas, que talvez sejam apenas saudade não dos bondes mas do que nós éramos. Acima de tudo, mais jovens.
O bonde foi uma lição de vida para algumas gerações. Foi parte importante da minha educação sentimental e física, e tenho certeza que o que me sobra de equilíbrio e introspecção filosófica devo a longas viagens de bonde no passado. A desorientação da juventude atual se explica pela ausência do bonde na sua formação.
Os bondes ensinavam destreza, coragem e autoconfiança. Um dos períodos mais importantes da minha vida foi dedicado à preparação psicológica para minha primeira (e, pensando bem, última) grande prova de bravura, subir no estribo com o bonde andando. Correspondia ao encontro solitário de um guri pré-histórico com seu primeiro bisão.
Depois disso, você era um homem. Não precisava ter ninguém olhando. Subir no bonde em movimento era um triunfo pessoal e particular. Você se provava para você mesmo.
Descer com um bonde em movimento não era nada, uma menina conseguiria. Bastava continuar correndo depois de tocar com os pés no chão. E pular para a calçada antes que o carro que viesse atrás fizesse você voar.
Fácil. Subir com o bonde andando era outra história. Levei meses para criar coragem antes da primeira tentativa. Não falhei. Nunca falhei. Só, mais velho e mais pesado, parei de tentar.
Fora o Tesourinha, lendário ponteiro direito do Internacional, e dois ou três personagens de gibi, meu herói da infância era o fiscal de bondes.
Aquele cara que pulava de um e subia em outro bonde em movimento sem perder o quepe. Ele olhava o marcador do bonde e fazia marcas num papel verde com um carimbo vermelho que tirava do bolso.
Durante algum tempo hesitei entre ser jogador de futebol, aviador ou fiscal de bondes quando crescesse. O ideal seria ser as três coisas ao mesmo tempo, mas se tivesse que escolher, seria fiscal de bondes.
O cobrador passava pelo corredor do bonde, recolhendo o pagamento. A cada passagem paga, acionava o marcador que depois o fiscal checava. Você poderia, se quisesse, entrar no bonde e se meter no meio do corredor e, quando o cobrador passasse, dizer “já paguei”.
Ele só contava com a própria memória, não tinha como provar que você não pagara. Mas imagino que isso acontecia pouco. Os bondes também ensinavam honestidade e confiança no próximo. E não poluíam o ar!
Alguns bondes da minha cidade eram menores dos que os outros, e sacudiam mais. Eram chamados, não sei por que, de bondes “gaiola”.
Andar na parte de trás de um bonde “gaiola”, numa descida, sem segurar em nada, só se equilibrando com o jogo de pernas, era como se manter no lombo de um cavalo bravio. Outra prova de hombridade que nos preparava para os embates da vida.
Volta e meia falam na volta dos bondes. Sou a favor. Não sei se eles melhorariam o nosso trânsito, mas certamente melhorariam o nosso caráter.
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