domingo, 1 de junho de 2008


FERREIRA GULLAR

Os novos corruptos

A conclusão é que o Brasil parece tão pródigo em corruptos quanto é em craques de futebol

A CORRUPÇÃO entre nós está mudando. Essa é a impressão que tenho. Não me arvoro a entendido no assunto mas, até onde consigo perceber, de alguns anos para cá, a corrupção passou a apresentar características muito especiais.

Não diria que ela evoluiu, porque, como se sabe, arte não evolui e, conforme se deduz do célebre livro atribuído ao padre Manuel da Costa, escrito no século 17, há uma arte de furtar, como há uma arte de corromper em que, aliás, como ele já observava, os políticos são mestres.

Não saberia dizer, com segurança, se se rouba mais hoje do que ontem, embora a impressão que se tem, pelo que a mídia noticia, é de que a corrupção aumentou muito. Há, porém, que observar que essa é uma impressão ilusória.

Argumenta-se que, atualmente, a Polícia Federal ampliou o combate a esse tipo de crime, decorrendo daí a falsa impressão de que se rouba mais agora do que se roubava antes.

Na verdade, segundo aqueles observadores, o que aumentou foi o combate a ela, ou seja, em termos relativos, a roubalheira se mantém a mesma.

Pode ser e pode não ser. São palpites, creio, já que desconheço algum estudo mais aprofundado do tema capaz de nos dizer quanto roubavam os ladrões do passado e quanto roubam os de hoje. Se for verdade que já se roubava, antes, tanto quanto agora, devemos tirar o chapéu aos ladrões de outrora, por conseguirem tão invejáveis resultados com tão pouca tecnologia e muito menos dinheiro.

Afirmo isso porque, nada entendendo desse tipo de arte, a intuição me diz que o roubo e a corrupção crescem na razão direta da riqueza produzida, da grana que entra nos cofres públicos, se bem que, em casos extremos, rouba-se até moeda do pires do mendigo, ou seja, mal comparando, de prefeituras do interior que não arrecadam nem o suficiente para pagar o funcionalismo.
Estou convencido de que o cara nasce ladrão, como nasce pianista ou jogador de futebol.

Nisso concordo com o mestre Machado, para quem não é a ocasião que faz o ladrão: a ocasião faz o furto; o ladrão já nasce feito. A conclusão é que o Brasil parece tão pródigo em corruptos quanto em craques de futebol. Pena é que aqueles prefiram continuar atuando no país.

Mas, se de fato, como a arte, a corrupção não evolui, apenas muda, cumpre observar que, nestes últimos anos, ela nos tem revelado facetas inusitadas.

E isso se deve, justiça seja feita, à indiscutível contribuição do PT, que, como se sabe, nasceu para mudar o Brasil. Se não mudou as relações de propriedade, instaurando o socialismo, inventou pelo menos uma nova maneira de apropriar-se do dinheiro público, ou de fazê-lo impunemente.

A inovação, no entanto, vai além disso, como se viu no caso do mensalão, quando uma complicada rede de transações financeiras e "laranjas" tornou possível ao governo comprar deputados de sua própria base.

Na hora em que o escândalo pôs as falcatruas à mostra, os dirigentes petistas -a começar pelo próprio presidente Lula- disseram que não sabiam de nada, ou que eram despesas não-contabilizadas, ou que assinaram um papel sem saber que se tratava de um empréstimo.

Não menos surpreendente foi o episódio do hotel Íbis, em São Paulo, quando a Polícia Federal prendeu, em 2006, dois petistas com R$ 1,7 milhão. O dinheiro era para comprar um dossiê contra José Serra, então candidato a governador.

Com essa falcatrua estavam comprometidos desde o presidente do PT até um assessor especial do presidente da República, sem falar em seu churrasqueiro. Donde saíra aquela montanha de dinheiro?

Ninguém sabia, nem mesmo -ou, aliás, principalmente- o sujeito que o trouxera na mala. A esse novo tipo de corrupto sem memória, que Lula chamou de aloprado, prefiro chamar mesmo de cara-de-pau.

Nessa mesma linha de neocorrupção, deu-se recentemente o vazamento do dossiê que a Casa Civil da presidência de República preparara com as despesas do governo FHC.

No começo, a Dilma afirmou que não havia dossiê nenhum, enquanto o ministro da Justiça o reduziu à condição de mero conceito. Depois, havia, mas era obra de algum inimigo do governo infiltrado no Planalto.

Finalmente, a Polícia Federal descobriu que ele fora elaborado por altos funcionários do governo e que havia sido vazado, nada mais nada menos que pelo senhor José Aparecido Nunes Pires, secretário de Controle Interno da Casa Civil.

Provado que o dossiê saíra de seu computador, cuja senha só ele conhece, teve que admitir que o vazara, mas o fizera -vejam vocês- sem saber, sem querer, por simples distração! Que fofo, não?

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