quinta-feira, 26 de junho de 2008



26 de junho de 2008
N° 15644 - Luis Fernando Verissimo


Dunga, de novo

Mudam os termos ("cabeça-de-área", tantas vezes confundido com "cabeça-de-bagre", deu lugar ao mais elegante "volante de contenção", por exemplo), mas a briga continua.

Não se fala mais em futebol-arte contra futebol-força, misericordiosamente, mas grande parte da discussão em torno do Dunga como técnico tem a ver com velhos conceitos em torno do Dunga como jogador.

Seus críticos perguntam que outro futebol poderia estar jogando a Seleção senão o futebol tosco e sem brilho do seu treinador. Mas na medida em que muitos dos velhos conceitos eram mais preconceitos do que qualquer outra coisa, Dunga está sendo injustiçado. De novo.

Julho de 1994. Estamos - jornalistas, torcedores, alguns nativos perplexos que nada têm a ver com a Copa do Mundo em curso - num avião entre a Califórnia, onde a Seleção acabara de vencer os Estados Unidos por 1 a 0, e Dallas, onde a Seleção enfrentaria a Holanda.

Na fileira atrás da minha, três brasileiros trocam impressões sobre o time do Brasil. É consenso entre os três que com Dunga não dá. Que Dunga tem que sair do time.

- O homem não acerta um passe! - diz um deles.

Como no jogo da véspera, contra a seleção americana, Dunga tinha não só acertado vários lançamentos longos como feito o passe para Bebeto marcar o gol da vitória, fiquei pensando no terrível poder do preconceito, que faz até cérebros negarem o que os olhos vêem.

De onde vinha o preconceito? Em grande parte do biótipo do jogador. Dizem que caráter é destino. Não é não: jeitão é destino. O jeitão do Dunga, sua maneira de pisar e de correr meio corcunda era a negação de tudo que já se vira em campo e culpado pela sua rejeição.

No caso do Dunga, o jeitão representava o caráter - a obstinação, a objetividade, a entrega total ao jogo - , mas isso o preconceito não registrava. Suas jogadas bonitas (depois de Gerson e de Rivelino, ninguém dominou a arte do lançamento longo como Dunga) eram tão incongruentes, tão contra o biótipo, como um passo de dança do Quasímodo, que também repeliam.

E, no entanto, o jeitão do Dunga ajudou a vencer aquela Copa dos Estados Unidos e só não ajudou a vencer a Copa seguinte, na França, onde ele jogou até mais do que em 94, porque deu Zidane contra.

Se Dunga é um bom treinador e merece estar onde está, não sei. Mas se cair que seja pelos seus erros reais. Não pelo velho preconceito cego.

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